Homofóbico, sim!

Uma análise cuidadosa da mensagem do político do PODEMOS nos conduz a uma reflexão mais ampla sobre como funciona estruturalmente a homofobia, que se torna cada vez mais visível (e audível) quanto mais ele tenta negá-la. Em suma, um processo de denegação, para evocar aqui o conceito incontornável de Freud.

“O ato mais revolucionário”, certa vez escreveu Rosa Luxemburgo, “será sempre dizer em alto e bom som aquilo é ”. Para a marxista polonesa, ter a capacidade de capturar a realidade do mundo era uma condição básica para o desenvolvimento revolucionário de qualquer projeto político emancipatório. É no interior da reivindicação luxemburguiana de sempre falar as coisas como realmente são, que gostaria de abordar a reação do vereador José Luiz Borges Júnior (PODEMOS), por ter sido identificado como homofóbico depois de ( pasmem!) tomar  uma atitude homofóbica. 

Antes, um pouco de contexto. Com o propósito de celebrar o Dia das Mães, a Câmara Municipal de Patos de Minas fez uma postagem em 09 de maio, quando se comemorou a referida data, em vários de seus perfis nas redes sociais.  Recolhendo uma série de bordões habitualmente ditos por mães, tais como: “Você não é todo mundo!”; “Você não tem vergonha não, minha filha?”; “A casa é minha, quem manda sou eu”, a homenagem se completava com um imagem de Dona Hermínia, personagem imortalizada no teatro, cinema e televisão pelo ator Paulo Gustavo, que faleceu recentemente como vítima do Covid-19.

A escolha da imagem de Dona Hermínia para representar as mães na celebração de seu dia, foi alvo de um questionamento taxativo por parte de José Luiz Borges Júnior.   Na visão do vereador, a eleição de um personagem fictício encenado por um homem homossexual, para representar as mães não passou de um pretexto para divulgar “ideais esquerdistas”, de modo que    a Câmara estaria sendo instrumentalizada para fazer “militância ” em nome “lacração”. Publicações chamando o legislador municipal de homofóbico viralizaram nas redes sociais, grupos de WhatsApp e até mesmo sites jornalísticos em questão de minutos. 

A resposta do vereador veio à público somente no dia seguinte ( dia 10), por meio de um vídeo disponibilizado no Instagram. Nele, afirma que o motivo de seu descontentamento se devia à ausência de representação de verdadeiras mães e não há um suposto preconceito contra homossexuais. Uma análise cuidadosa da mensagem do político do PODEMOS nos conduz a uma reflexão mais ampla sobre como funciona estruturalmente a homofobia, que se torna cada vez mais visível (e audível) quanto mais ele tenta negá-la. Em suma, um processo de denegação, para evocar aqui o conceito incontornável de Freud.

Identificar esse grau de denegação pressupõe enfrentar um ponto espinhoso, cujos arranhões sempre deixam marcas significativas: a sexualidade não é apenas um dado da natureza, mas, também uma construção social. Ou seja, não há uma ordem natural que determine a heterossexualidade como correta e a homossexualidade como um desvio. Essa partilha é socialmente construída, porém, essa dimensão é ocultada durante sua internalização. Esse processo não é natural, mas passa a ser naturalizado para que as pessoas se adequem à norma vigente.  

Vejamos agora como é que isso opera na mensagem transmitida pelo  vereador. Ao apresentar o ponto central de sua tese, o vereador praticamente se auto denuncia. A “mulher de verdade”, que ele gostaria de ver homenageada, é a mulher heterossexual, aquela que supostamente segue o curso da natureza, se relaciona com pessoas do outro sexo e tem filhos deles. A “mulher de mentira”, objeto de seu vilipendio, é um homem homossexual, que de alguma maneira subverte o curso da natureza, se relaciona com pessoas do mesmo sexo e finge ter filhos deles. 

Aqui é perceptível uma visão que identifica heterossexualidade com natureza e homossexualidade com artifício. Seguindo essa linha, quando mulheres e homens se relacionam sexualmente, ambos estão apenas manifestando a ordem natural das coisas. Já quando um homem se relaciona sexualmente com outros homens ou uma mulher se relaciona sexualmente com outras mulheres, é como se um elemento artificial fosse introduzido para perturbar a harmonia pré-estabelecida. 

Não por acaso, o legislador municipal nem se dá ao trabalho de nomear a heterossexualidade como condição sexual, afinal de contas está implícito que esta é só a manifestação da natureza. Porém, quando se remete à homossexualidade, ele faz questão de nomeá-la como opção, sugerindo que trata de algo antinatural, que foi escolhido pela pessoa em virtude das influências do meio. 

Essa naturalização da heterossexualidade e artificialização da homossexualidade se acentua diante de sua denúncia quanto a suposta politização dos canais comunicativos da Câmara Municipal. Ao escolher um personagem materno representado por um homem homossexual, a Câmara  estaria influenciando as pessoas a aderirem  a homossexualidade, como se esta fosse uma invenção da militância esquerdista. Já quando ele cita mulheres heterossexuais como exemplos passíveis de serem homenageadas, o vereador entende que não está politizando  nada. Está apenas traduzindo a ordem natural das coisas, que por coincidência é heterossexual.

Como já argumentei em outra ocasião, o crescimento do conservadorismo no Brasil anda de mãos dadas com o fortalecimento do liberalismo. O bolsonarismo é a versão mais acabada desse casamento.  Na sua etapa atual, o capitalismo tupiniquim não faz mais questão de ocultar o que sempre teve pior: o seu caráter racista, machista e lgbtfóbico. Portanto, se queremos avançar na luta contra as opressões, é preciso dizer em alto e bom som as coisas como realmente são: José Luiz Borges é  homofóbico, sim!

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