Tentando alinhavar os fios soltos da memória, não saberia precisar com exatidão quando e onde surgiu a ideia de criar o Patos à Esquerda. Talvez buscar esse mito das origens hoje, quase um ano depois da sua concretização, seja uma tarefa não só penosa, mas igualmente ingrata, com a qual não deveríamos nos preocupar tanto.
Seja como for, a justificativa para o surgimento do Patos à Esquerda encontrava-se num sentimento que todos e todas nós nutríamos quanto à imprensa local: a frustração. Frustração diante da leitura diária de manchetes espetaculares, frustração diante de artigos tendenciosos, frustração diante de falsos debates ocultados pelo doce invólucro da “neutralidade” jornalística, enfim, frustração… Esse sentimento colocava, aos nossos olhos, o vínculo orgânico desses veículos de comunicação com os interesses, tão tacanhos quanto reacionários, da burguesia local.
Para fazer frente a isso, entendíamos que era necessário criar um órgão periódico, por meio do qual poderíamos nos articular internamente e fazer a ponte com o restante da população trabalhadora. Como afirmamos em nosso manifesto de fundação:
”O nome do nosso projeto já deixa clara nossas intenções. Quando dizemos que nossa proposta é fazer um jornalismo do ponto de vista dos trabalhadores e das trabalhadoras, reivindicamos um projeto político à esquerda, ou seja, comprometido com as lutas anticapitalistas, antirracistas, antimachistas e anti-lgbtfóbicas de nosso tempo”.
A longo prazo, nossa meta era chegar diretamente nas pessoas trabalhadoras, ajudar na construção da consciência de classe e colaborar na edificação de um projeto político que fosse, ao mesmo tempo, autônomo e combativo. Para atingi-la, acreditávamos encontrar na esquerda local não só o acolhimento, mas, também a valorização do trabalho que nos propúnhamos a fazer. Nada mais óbvio, não é mesmo? Afinal de contas, éramos companheiros e companheiras que, em diversos momentos e lugares, lutaram do mesmo lado em manifestações, atos, greves e ocupações em prol de uma cidade mais justa, livre e igualitária.
No entanto, as coisas não seguiram necessariamente o curso que havíamos projetado. O silêncio diante de cada matéria publicada, divulgação feita e até mesmo de opinião requisitada nos encheu de desgosto, sentimento que nos fez perguntar mais de uma vez se fazia algum sentido em levar adiante o projeto. Ao fim e ao cabo, esse desgosto talvez teria sido menor se dissessem claramente que desaprovavam nosso trabalho do que simplesmente terem ficado presos a tamanho silêncio.
Na história, há um bordão recorrente entre profissionais da área que diz que “ o silêncio também fala”. Gostaria de reivindicar esse princípio justamente para questionar o porquê desse mutismo e sondar o que ele tem a nos dizer.
Historicamente, a esquerda, mais concretamente a institucional, desempenhou um papel muito tímido no cenário político local, que verdade seja dita nunca foi muito propício para qualquer proposta que saísse fora do tom que a elite patense sempre buscou imprimir. Tal papel se fez presente na mobilização de classe de alguns setores sindicais mais combativos, na eleição de um ou outro vereador para a Câmara Municipal e na ocupação de cargos comissionados de governos que, mesmo sendo de direita, buscavam passar um ar “progressista” para os cidadãos mais ou menos esclarecidos.
O pouco que foi feito nesse sentido, amparou-se diretamente nas conquistas – precárias, mas, ainda sim, conquistas – dos governos petistas a nível federal nas duas primeiras décadas dos 2000. Com a emergência e fortalecimento nacional da direita em meados de 2010, a esquerda institucional praticamente desapareceu de Patos de Minas. Caso setores autônomos da esquerda – oriundos das Jornadas de Junho de 2013 – não tivessem se mobilizado, em 2016, com o Ocupa Guiomar, e, em 2018, com o #elenão, poderíamos afirmar que a guinada política à direita que o país vivenciou desde o golpe contra Dilma aconteceu sem qualquer tipo de resistência na cidade.
Com a vitória de Bolsonaro para presidente, seguida das vitórias de Zema para governador e de Falcão para prefeito, o imobilismo tomou conta da esquerda local, seja a institucional, seja a autônoma. É dentro desse contexto que partidos, movimentos e pessoas começam a assumir posicionamentos cada vez mais ambíguos do ponto de vista político. Diante do clima de polarização reinante no país, entendem que se posicionar à esquerda implica necessariamente fortalecer a direita. Não é raro ouvirmos de vozes que representam essa tendência coisas como “a luta contra a direita está acima de qualquer ideologia”; “precisamos nos unir com qualquer um que lute contra Bolsonaro”; “extrema esquerda e extrema direita se equivalem politicamente” “não sou esquerdista, sou humanista”; “não é hora de radicalizar o discurso de esquerda, para não assustar as pessoas”, dentre outras pérolas de que pouparei o leitor.
Com o pretexto de vencer a direita, acabam condenado a esquerda à própria derrota. Explico melhor: ao abrir mão do reconhecimento de sua própria identidade política, a esquerda abre espaço teorias estranhas, permite o avanço de figuras oportunistas e não faz senão perpetuar as estruturas do capitalismo, contra as quais diz lutar na teoria, mas, na prática, acaba aceitando, quando não endossando.
Não tenho certeza, mas suspeito que os motivos do ruidoso silêncio que paira sobre o Patos à Esquerda, a nível local, encontram sua razão justamente aqui. Não acreditamos que a militância de esquerda deva ser um vago apelo humanista (que, não raro, descamba para pedidos de amor para quem oprime e explora) ou ainda a construção de alianças duvidosas que tenham por finalidade apenas a conquista e perpetuação de postos políticos. Acreditamos que a militância de esquerda é uma prática voltada para a transformação social, algo que só é possível a partir de um projeto político que coloque o poder popular em primeiríssimo plano.
Neste momento em que a esquerda local conseguiu renovar seu fôlego em razão dos atos #forabolsonaro, é preciso refletir sobre o seguinte dado: tão importante quanto derrotar a direita, é definir o método com o qual a luta será travada. Mas, para tanto, é preciso que tenhamos ciência de algo mais básico: nós não devemos ter medo de falar o nosso nome!