Posso ser gay e ainda sim defender a Palestina?

Com a polarização política no Brasil o conflito árabe-israelense também divide opiniões, o que impede um olhar mais crítico

Essa pergunta surgiu quando me questionaram, como eu, sendo gay, posso defender um “povo essencialmente homofóbico” como o palestino. Apontaram que Israel é uma ilha de democracia e tolerância no Oriente Médio em vista dos países árabes, e, por isso, eu deveria me posicionar a favor de Israel.

Então quer dizer que eu deveria apoiar o apartheid e limpeza étnica promovida por Israel contra o povo palestino por causa disso?

Bem, a Palestina é um país árabe, predominantemente muçulmano do ramo sunita. Como é sabido, muitos países islâmicos são conhecidos pelo seu ultraconservadorismo – contra mulheres e gays, principalmente. Atualmente, a homossexualidade é punida por lei em 69 de 193 países, e em 11 podem ser punidas com pena de morte – muitos desses países são muçulmanos. Embora a homossexualidade não seja criminalizada nos territórios palestinos, o assunto ainda é um tabu.

Pesquisando mais a fundo, descobri que nem sempre foi assim. Em tempos remotos, os islâmicos toleravam ou até celebravam a homossexualidade. Mas, o contato com povos europeus, que impuseram leis homofóbicas sobre as suas colônias no Oriente Médio e Norte da África, foi fundamental para que a intolerância fosse absorvida por esses povos. Sendo assim, a LGBTfobia nunca foi inerente aos povos árabes e muçulmanos, apesar do que ocorre nos dias de hoje.

Em contrapartida, Israel nunca foi uma ilha de liberdade no meio do Oriente Médio.  Na verdade, isso não passa de uma propaganda ocidental pró-Israel que tem o objetivo de barbarizar árabes muçulmanos.

Mesmo que na lei o Estado de Israel tolere certos costumes, como a famosa Parada gay de Tel Aviv, enquanto isso ocorre, minorias contra a política israelense são duramente reprimidas e palestinos exterminados. Que liberdade é essa?

Em um cenário onde palestinos são privados dos seus direitos mais básicos é difícil encontrar espaço para debater questões de gênero e sexualidade, mas isso é possível. Uma luta não exclui a outra, pelo contrário, ambas se completam. Exemplo disso é o que ocorre  no filme “Pride”, que é baseado em histórias reais, jovens gays e lésbicas se empenharam na luta operária para ajudar um grupo de mineiros grevistas. Ambos perceberam que tinham um inimigo em comum: o governo neoliberal de Margareth Thatcher. Assim, puderam superar os desafios, como a homofobia por parte de alguns mineiros, e lutarem juntos.

Pessoas seguram uma bandeira palestina durante um evento de orgulho LBBTQIA+, em Tel Aviv, em 28 de junho de 2020. (Avshalom Sassoni/Flash90)

A Revolução de Rojava é um outro grande exemplo. Em meio à guerra na Síria, os curdos – povo oprimido há séculos, que conta com várias orientações religiosas em seu seio – conseguiram tomar as estruturas e implementar uma forma de política de autogestão, democracia direta e laicismo no norte do país. O papel das mulheres foi decisivo nessa luta, mostrando novamente que esses desafios podem ser superados conciliando luta política e emancipação feminina.

 Por isso, mesmo com todos os desafios, acredito que um dia possa existir conciliação entre a luta LGBTQIA e a emancipação palestina. E mesmo que a princípio isso não aconteça, é fundamental apoiar a causa palestina, para que deixe de ser apenas uma questão do mundo árabe e se torne uma questão universal, abrindo portas para outros debates, sobretudo os de gênero e da luta LGBTQIA, dentro da causa dos palestinos.

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