A Campanha do Laço Branco é necessária, mas será suficiente?

É preciso ir além dos apelos vagos à consciência masculina e criar ferramentas que de fato desafiem o poder masculino.

Simultaneamente a diversas cidades do Brasil e do mundo, Patos de Minas iniciou, no dia 6 de dezembro deste ano, a campanha “Laço Branco”, sancionada no país desde junho de 2007, por meio da Lei 11.489. A referida campanha tem como propósito engajar os homens no combate à violência contra a mulher, buscando informá-los e sensibilizá-los acerca da necessidade de uma mudança comportamental para acabar com a desigualdade entre os gêneros. Conforme esclarece a secretaria de comunicação da prefeitura local por meio de rede social:

“Esta data remete a um evento trágico ocorrido em 1989 no Canadá, quando um rapaz invadiu a sala de aula de uma escola politécnica em Montreal e assassinou 14 mulheres. A motivação do crime: o jovem não suportava a ideia de ver mulheres estudando Engenharia, curso tradicionalmente direcionado ao público masculino”.

Esse triste acontecimento conduziu alguns homens, que repudiaram aquele ato, a se comprometerem em não cometer atos de violência contra as mulheres e em não fecharem os olhos para outros homens que viessem a cometê-lo.  Convertida em uma referência internacional pela ONU nos anos subsequentes, essa campanha tem funcionado junto a diversos órgãos das Nações Unidas, como o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), em parceria com organizações de mulheres, em mais 55 países de todos os continentes.

A campanha deste ano assume tons particularmente dramáticos quando olhamos para o crescente número de feminicídios no país. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só no primeiro semestre deste ano, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, uma média de 4 mulheres por dia. De acordo com Samira Bueno, diretora executiva do Fórum, essa escalada de violência se traduziu em um aumento de 10% no número de assassinatos em relação aos anos anteriores. “Olhando os dados de janeiro a junho de 2022, se mantida essa tendência, nós teremos um novo recorde de feminicídios, inclusive quando fechar o ano”, alertou ela em entrevista ao G1.

De acordo com dados apresentados pelo Conselho Municipal da Mulher de Patos, foi registrado um caso de feminicídio na cidade durante o primeiro semestre deste ano. No entanto, fecharemos o ano com um número consideravelmente maior, haja vista que, só neste segundo semestre, já houve o registro de mais quatro casos de assassinatos de mulheres pelo simples fato de serem mulheres. 

Tais dados nos conduzem a algumas perguntas que gostaria de compartilhar com você, caro(a) leitor(a): como explicar e compreender esse crescimento assombroso dos casos de feminicídio no Brasil e em Patos de Minas? Como os homens podem contribuir para a reversão desse quadro? Uma mudança no comportamento masculino, como sugere a Campanha do Laço Branco, seria uma solução suficiente para resolver o problema? Nas linhas que seguem, busco apresentar algumas possíveis respostas. 

Ao olharmos para a escalada da violência letal cometida por homens contra mulheres nos últimos anos, muitos de nós somos levados pelo senso comum a tomá-lo como um mero dado da “natureza masculina”, a qual se caracterizaria justamente por ser “possessiva”, “violenta”, “predatória” etc… No entanto, o referido fenômeno tem procedências sociais muito bem definidas, que estão intimamente vinculadas ao reforço estrutural do machismo no país por parte do atual presidente do Brasil, Bolsonaro, o qual contou, diga-se de passagem, com o apoio do atual prefeito de Patos, Falcão. 

Durante os quatro anos em que esteve à frente do Executivo brasileiro, o político do PL revelou seu profundo ódio pelas mulheres não só em seus famigerados discursos, mas também  em suas atitudes práticas. De acordo com pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos, entre 2020 e 2022, foram indicados R$ 22,96 milhões para políticas direcionadas exclusivamente ao combate à violência contra a mulher. No orçamento do governo anterior,  entre e 2016 a 2019, foram devotados R$ 366,58 milhões para tal finalidade. Ou seja, a queda foi de 94%.

Com essa diminuição programada de repasses para a execução das políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero, as redes de proteção com as quais mulheres vitimadas podem contar passam por um profundo processo de precarização, cuja capacidade de atendimento diminui consideravelmente, quando não chega até a desaparecer. O triste resultado disso acaba sendo o aumento das ocorrências da forma mais letal de violência contra as mulheres: o feminicídio.

Para transformar essa realidade, é preciso que um número cada vez maior de homens se engajem no combate à violência contra as mulheres. Nesse sentido, é urgente que indivíduos pertencentes ao gênero masculino reflitam sobre o lugar que ocupam dentro da sociedade machista, entendam o seu papel como (re)produtores da violência de gênero e, sobretudo, ajam sobre o comportamento de outros homens, seja para evitar o surgimento de um feminicida em potencial, seja para responsabilizar adequadamente um feminicida em ato.

Sob essa perspectiva, campanhas como a do Laço Branco são necessárias, não resta dúvida, mas, será que são suficientes? Não quero e nem posso aqui negar o peso que as mudanças comportamentais por parte de homens têm no combate ao machismo. No entanto, se essas mudanças não afetam as estruturas sociais que fazem parte do machismo, elas se tornam apenas um discurso bonito, com pouca ou nenhuma efetividade. Seus idealizadores ignoram, por cálculo ou ingenuidade, que é absolutamente inútil querer mudar a sociedade fazendo apelos morais para grupos dominantes cujo exercício do poder é (re)produzido cotidianamente por meio de estruturas bem sólidas. Em relação aos homens dentro da sociedade machista não é diferente. 

Os homens que realmente desejam vislumbrar o fim do feminicídio, bem como de qualquer outra violência contra as mulheres, precisam ir além dos apelos vagos à consciência masculina e  criar ferramentas que de fato desafiem o poder masculino. Para tanto, a luta deve passar por um plano mais amplo, no qual é reorientada para uma transformação profunda quanto ao seu papel na divisão sexual do trabalho. Em síntese, precisa assumir suas responsabilidades no trabalho reprodutivo, compartilhar a liderança no espaço público, lutar pela remuneração igualitária, criar dispositivos eficazes de responsabilização para homens violentos etc…

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