Inspirado pela comicidade trágica de eventos recentes1 — o caso de um motorista patense que, supostamente sob efeito de drogas, correu até a delegacia alegando estar sendo perseguido de carro e acabou preso — decidi que era hora de conversarmos sobre uma condição local importante, que envolve gracetas, como da hipocrisia e do individualismo do patense médio, mas também envolve preocupações seríssimas com a mobilidade urbana e a irresponsabilidade no trânsito em Patos de Minas. Já, a partir deste parágrafo, quero deixar claro para os “desavisados de oportunidade” que este é um texto com características “Castigat ridendo mores”, portanto, levem a sério apenas as orientações para pararem imediatamente de dirigir com imprudência no trânsito.
Não é por falta de avisos, nem pela carência científica2, mas sabemos que fumar é um hábito terrível para a saúde e para a higiene pessoal. Nos últimos 30 anos, o Brasil teve resultados incríveis no combate ao tabagismo3, foi e é um exemplo a ser seguido no mundo todo pela sua capacidade de diminuir a população fluente nos fumacês de alcatrão. Uma parte importantíssima desse processo se deve ao mérito dos idealizadores da propaganda veiculada nas carteiras de cigarros que ameaçavam, dentre os alertas de cânceres, dentes apodrecidos, envelhecimento precoce, “crianças que não conseguem comer feijão”…, a “injusta” provocação à virilidade masculina. Esta, uma entidade sagrada dos Homens Héteros Cisgêneros da espécie homo sapiens tiozãozensis (que vou chamar de HHC a partir de agora).
Quem nunca ouviu a clássica frase proferida por um tiozão qualquer, “ô meu consagrado, me vê um que dá câncer, porque de brochar é sacanagem kkkkk”? Uma clara referência de repúdio cômico à impotência sexual, fazendo dessa uma classe de doenças muito mais importante do que as que oferecem alto risco de óbito. Parece até que os HHCs desejam mais a própria morte do que parar de evidenciar o porte de um suposto, aclamado e vistoso pênis “funcional”.
Da mesma forma que o pênis é o centro de toda força vital dos tiozões que fumam e querem ter câncer, parece também ser o caso dos HHCs que portam incríveis naves rápidas e que parecem querer levar para a cova, além de si mesmos, outras pessoas. A minha indignação começa na impunidade do caso do playboy da porsche, que mata um trabalhador, depois de “supostamente” realizar a combinação quase clichê de virilidade e álcool, e sai ileso disso. As perguntas com porquês sobre esse caso já estão vencidas pelos inúmeros canais de mídia, e deixarei a cargo do leitor procurar por si mesmo, caso já não esteja saturado.
Não muito diferente, em Patos de Minas, os pilotos de camionetas e carros “pobresportivos” já arrancaram postes de iluminação, arrebentaram outros carros e se feriram gravemente nas suas naves. Alguns queimaram, supostamente, o mesmo combustível do playboy, o da virilidade e do álcool. A pergunta que fica é: quando é que estes casos irão evoluir resultando nos nossos próprios playboys da Porsche, já que uma característica do patense comum é copiar os costumes espúrios das grandes capitais do Brasil?
A reflexão que proponho com este texto brota de uma pergunta intimidadora, mas honesta: você é capaz de lidar com a morte de outra pessoa, que você provocou porque seu pênis lhe pareceu mais importante em um momento de euforia passageira?
Da realidade triste da cidade
Para se ter uma noção sobre o que foi 2024 para o trânsito patense, vou dar uma de narrador do programa Retrospectiva na Globo e listar o que aconteceu por imprudência automobilística na cidade, em alguns poucos casos. Para fins de nos eximir das provocações jurídicas, cabe ao leitor entrar nos links das matérias e compreender se os “supostamentes” que jogo nos textos se concretizam na materialidade ou não. Peço que não se esqueçam, também, de que a Villa de Patos é apenas uma currutela cheia de luzinhas de natal na pracinha e, portanto, esses casos são absurdos demais para o tamanho da cidade:
- Matéria do dia 10/11/2024, por Patos Hoje: um médico de 40 anos supostamente foi vítima da sua própria embriaguez e irresponsabilidade, derrubou um poste e arrancou o portão de uma casa. Imagine só, se ao invés do portão fosse uma vidraça do banco Itaú, que comoção não iria causar, não é mesmo? (mais um link aqui com vídeo do momento)
- Matéria do dia 19/08/2024, por Patos Notícias: a matéria endossa a violência do trânsito de Patos de Minas e a falta de fiscalização. O texto tem as suas limitações argumentativas sobre a solução para o problema, mas é importante relevar esta qualidade, dada a cultura do jornalismo loucal.
- Matéria do dia 07/12/2024, por Club Notícia: dois marmanjos, supostamente, resolveram brigar como se estivessem jogando GTA V Online em uma das ruas estreitas da cidade. Ninguém se feriu gravemente, mas havia possibilidade de acontecer coisa pior, já que o tráfego de pessoas no local estava normal e era dia ainda. A Fiat Toro, cansada do seu suposto dono HHC, resolveu tirar um cochilo no meio da rua.
- Matéria do dia 18/08/2024, por Patos Agora: um garoto, por algum motivo não citado na matéria, supostamente, não conseguiu lidar com o seu veículo e colidiu em uma curva na avenida JK. Não há motivos para sarcasmo aqui. Infelizmente, é uma notícia muito triste, uma vez que os dois ocupantes do veículo morreram no local. Toda solidariedade a quem fica e conhecia esses rapazes.
- Matéria do dia 10/11/2024, por Tribuna: aqui um contraponto, com recorte de classe, com o caso do médico de 40 anos (que supostamente não foi batizado e, portanto, não tem nome). Os dois casos aconteceram no mesmo dia, mas este tem um final trágico. Supostamente pela classe do homem citado nesta matéria ser “motociclista”, o jornal escancara até o rosto dele em imagem de capa. É, infelizmente, outro caso muito triste envolvendo a morte de um motociclista muito jovem realizando manobras arriscadas em alta velocidade. Exponho esse caso, já que a classe “motociclista” para o patense hipócrita médio, provoca rebuliços viscerais pelas promiscuidades no trânsito de motos da cidade, sem refletir sobre a lógica inerente aos riscos que esta classe se põe todos os dias (esta é uma discussão para um outro texto). Entretanto, não posso deixar de concordar que manobras arriscadas com veículos podem estar também fundadas na mesma cultura tóxica da interação humano-máquina. Toda solidariedade a quem conhecia o motociclista e sofreu pela dor provocada por este evento.
- Matéria do dia 19/02/2024, por G1: este aconteceu na Fátima Porto. São poucas as informações sobre o caso, mas as imagens mostram a gravidade do acidente. Mais uma pessoa que infelizmente faleceu, provavelmente, vítima da mesma cultura dos outros aqui citados. Toda solidariedade a quem conhecia a pessoa envolvida e sofreu pela sua partida.
Das conclusões
Por isso, suplico, em tom de ironia, é claro, que todo mundo volte a fumar como nos tempos de outrora, mas somente se isso suprir vossas necessidades necro-viris como “patoristas” (termo cunhado pela famosa página de Instagram @patoslademinas). E caso volte a fumar, mas, de arrependimento, já esteja decidido a parar de fumar, recomendo que busque ajuda em Patos de Minas mesmo.
O Brasil tem uma vitória incrível no combate ao tabagismo. Peitou grandes marcas no passado em prol da segurança pública. No entanto, curiosamente, parece temer pelo setor automobilístico. Imagine só se fosse possível vetar a venda de Porsches, F250s, Hiluxes e Dodge RAMs sem uma campanha publicitária voltada à segurança no trânsito, ilustrada com imagens de esmigalhamento automobilístico, ou então acompanhada de uma mensagem como “este produto não aumenta o tamanho do seu ‘brinquedo’, apenas lhe oferece outro brinquedo para fins de compensação”.
Se a propaganda pela diminuição dos acidentes automobilísticos rendesse um meme de tiozão como “Ô meu consagrado, me vê uma Porsche com imagem de acidente, porque a do ‘brinquedo’ é sacanagem kkkkkk”, sendo tão eficiente quanto a então parodiada política antitabagista que trago hoje, eu me daria por satisfeito.
- ROCHA, Maurício. Motorista corre para a delegacia dizendo que estava sendo perseguido e acaba preso; entenda. Disponível em: <https://patoshoje.com.br/noticias/motorista-corre-para-a-delegacia-dizendo-que-estava-sendo-perseguido-e-acaba-preso-entenda-88461.html> ↩︎
- MCCOY, Sue B. et. al. Perceptions of smoking risk as a function of smoking status. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/BF00844942> ↩︎
- CORRÊA, Douglas. Brasil ocupa papel de destaque no combate ao tabagismo nas Américas. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-08/brasil-ocupa-papel-de-destaque-no-combate-ao-tabagismo-nas-americas> ↩︎