Um olhar sobre a nova década que se avizinha e o que deixamos para trás

A década de 2010 nos impele a refletir sobre o legado dos últimos anos e traçar planos a longo prazo

Ao contrário do que muitos pensaram, a virada da década não aconteceu no final de 2019, mas  acontecerá com a chegada do próximo ano de 2021. Numerologicamente talvez isso não signifique nada, entretanto, o peso simbólico é inquestionável. O fim de uma década nos leva a refletir sobre os dez anos anteriores e lança luz sobre como proceder nos dez anos que virão.

O saldo da década de 2010 não é nada positivo: ao longo destes dez anos presenciamos crises políticas, pouco crescimento econômico e uma conjuntura internacional desfavorável. Além disso, a década ficou marcada pela posse da primeira mulher eleita presidente e, posteriormente, pelo golpe que a depôs, as manifestações de 2013, o início da Lava Jato e, obviamente, em um contexto conturbado, pela eleição de Jair Bolsonaro e pela pandemia de Covid-19. Outras discussões também estiveram no centro do debate: crise climática e ambiental, os rumos da democracia e do próprio capitalismo e, mais recentemente, questões de privacidade e dados no mundo da internet.

Do ponto de vista econômico já está claro que a década de 2010 entrará para a história como a nova “década perdida”, posto antes dado à nostálgica década de 1980, marcada pela super inflação herdada da ditadura. Curiosamente, o decênio 2011-2020 sucede a década de 2000, esta última lembrada como uma época de bonança, principalmente na América Latina, governada na época por governos ditos progressistas. Assim, novamente, vão se estabelecendo estes ciclos inerentes ao mundo do capitalismo e da democracia liberal: sempre uma época de euforia sucedida por tempos de pessimismo e caos político e econômico. Porém, para um bom observador, tais ciclos têm ficado cada vez mais curtos. Mas o que se perdeu entre as duas décadas que marcam o início do século XXI?

No contexto brasileiro, a condução errática da política econômica, que oscilou entre um reformismo de centro-esquerda com concessões ao neoliberalismo, aliado à crise de representatividade em decorrência dos escândalos de corrupção, tudo isto foi cenário fértil para ascensão de figuras demagógicas ao poder. Panorama mais que perfeito para adeptos da “filosofia” ultraliberal implementarem sua agenda, que não seria abertamente aceita nas urnas – basta ver o pífio desempenho do Partido Novo nas eleições municipais deste ano. Portanto, sempre o discurso neoliberal vem acompanhado de ideias reacionárias e demagógicas. Em 2015, esse discurso já ganhava força entre a classe média, por meio de iniciativas como o Movimento Brasil livre (MBL), e penetrava o governo, desesperado por convencer um parlamento de direita. Após a consolidação do golpe, vulgo impeachment, o resultado dessas políticas neoliberais não poderia ser diferente: miséria, estagnação econômica, precarização, perda de empregos e desmantelamento social. 

O próximo censo nacional, realizado de dez em dez anos, revelará exatamente isto. Ficará constatada a regressão social que vem acontecendo desde metade desta década e que é fruto de políticas neoliberais – talvez por isto o empenho do governo em “enxugar” o censo feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Possivelmente, e não menos importante, a pesquisa nacional também revelará sobre um grupo crescente na sociedade brasileira: os evangélicos, notadamente os pentecostais. Este grupo já conta com uma sólida base de representação no parlamento, na internet e na TV, através de concessões públicas a canais religiosos.

Em Patos de Minas, microcosmo do cenário nacional, não poderia ser diferente. Por aqui, o discurso reacionário e “antipolítico” também ganhou adeptos. Apesar da calmaria e ilusão de um suposto oásis interiorano, em nossa cidade, as forças conservadoras também surfaram na onda reacionária elegendo seu candidato bolsonarista preferido: não bastando ser apenas “conservador”, mas também neoliberal. Para eleição de Eduardo Falcão, não deixemos de lembrar, foi nutrida uma conjuntura perfeita na última década: um prefeito impopular seguido por um outro burocrata de gabinete. Esse vácuo de representatividade, aliado ao seu discurso demagógico, elegeu Falcão.

Para a nova década que se avizinha, o que nos cabe fazer é refletir sobre os erros do passado – o que deveria ser feito por toda a esquerda, em seus diversos níveis, municipal, estadual e nacional. Pepe Mujica, maior representante do progressismo latino-americano, em uma autorreflexão, disse-nos que:

“Conseguimos, até certo ponto, ajudar essa gente (pobres) a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos”.

Isto é o que precisa ser feito a partir de então. Trocar o discurso paternalista de “pobre poder comer carne, andar de avião e ir para Disney” que vigorou até então, por um discurso verdadeiramente emancipador. O assistencialismo por si só coopta o eleitor – como já bem aprendeu Jair Bolsonaro, mas não garante direitos de fato.

 O que também ficou evidente recentemente, foi a incapacidade da esquerda, no âmbito da política institucional, em tecer alianças ou estabelecer uma frente de combate contra a extrema direita. Seja por contradições internas, disputas por poder ou discordâncias ideológicas, está claro que não é possível esperar por mudanças vindas apenas da política oficial. A principal aposta a ser feita nos próximos dez anos deve ser na sociedade civil, pois isto irá refletir na política representativa. É um trabalho de base para ser feito a longo prazo sem ambições eleitoreiras, mas também sem a ingenuidade de ignorar épocas eleitorais. É dialogar com a juventude negra, com os sindicatos, com a classe trabalhadora precarizada e com a periferia evangélica. Tudo isto pode ser feito através de iniciativas comunitárias, mandatos coletivos, manifestações, presença massiva na internet e núcleos de ações dentro de escolas, universidades e instituições públicas. 

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