Para qual classe você trabalha, candidato(a)?

A importância de combater as tentativas de despolitização feitas por candidatos oportunistas.

Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário.

Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

Antonio Gramsci. La Città Futura. 11 fevereiro de 1917.

É recorrente, em tempo de eleições municipais, vermos candidatos afirmando que escolheram um partido “só pela legenda”.1Neste texto nos referimos em especificamente aos partidos da ordem institucional liberal-burguesa, também chamados de “partidos palamentares”. Também ocorre de o ato de votar ser associado pelo senso comum a uma confiança pessoal entre eleitor e candidato. Apesar de isso ser frequente, trata-se de uma forma ativa de despolitização. Este texto defende duas teses. A primeira pode ser resumida da seguinte maneira: se um candidato não levanta a bandeira de seu partido, ou ele não tem boa-fé ou é ignorante. A segunda é a de que a compreensão do papel histórico dos partidos e a cobrança por coerência ideológica é uma ferramenta que a esquerda deve utilizar para desqualificar seus adversários e para fazer autocrítica de suas transigências.

O quadro partidário brasileiro, em que pese o mito da polarização, é complexo. O TSE reconhece 29 partidos políticos. Além disso, três federações partidárias complexificam o tabuleiro, que nunca foi ocupado pela esquerda majoritariamente. Ao contrário do que alguns políticos defendem, ter menos partidos não significaria necessariamente ter mais coerência ideológica. Sistemas políticos bipartidários, por sua vez, tendem a esterilizar a possibilidade de mudanças, reduzindo toda a pequena política institucional burguesa a um debate interno da direita em duas diferentes fachadas.

A Lei dos Partidos define que o partido político “destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”. Vale ressaltar, então, que em um sistema representativo, o mediador entre os eleitores e os mandatários é o partido. Isso porque “na Casa Legislativa”, define o Art. 24 da Lei supracitada, “o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto”. Assim, o sujeito que se filia a um partido automaticamente deve ser responsabilizado pelo que o partido defende, além, obviamente, de ser vinculado politicamente aos órgãos partidários.

É, portanto, por meio dessas instituições hoje desacreditadas, corrompidas ou demonizadas que a representação na democracia burguesa opera. São os partidos que articulam interesses, formulam políticas, orientam escolhas, selecionam candidatos, apoiam ou se opõem ao governo da vez. Eles também são chaves organizadoras centrais nas disputas eleitorais, no que diz respeito a recursos e estratégias.

Tudo isso, caro leitor, é óbvio, trivial. Reafirmamos isso apenas para lembrar que qualquer político que seja filiado a um partido e não assuma responsabilidade pelos interesses que o partido representa é um oportunista. Pode ser um oportunismo ignorante, que não tenha consciência do papel que um partido tem. Na maioria dos casos, porém, é uma suposta indiferença em relação ao partido que guia muitas candidaturas. É necessário interrogar esses sujeitos supostamente indiferentes até que tenham seu oportunismo explicitado.

Diante de um pré-candidato ou candidato a vereador, cabe questionar:

  • Por que se filiou ao partido que vai representar?
  • Por que mostra ou esconde o nome do partido a que pertence?
  • Conhece a história do partido? E o Estatuto? Como pretende atender aos princípios ideológicos do partido?
  • O que pensa sobre as ações de seu partido em escala nacional?
  • Quem são os outros representantes locais do partido e que relação tem com eles?

Sabemos que os partidos, enquanto instituições, comportam disputas, contradições, falhas e arbitrariedades. Sabemos também que criticar o papel dos partidos, inclusive os da esquerda, é fundamental para a coerência no nosso campo. O que não podemos é passar pano para aqueles que Lênin chamou de “trapaceiros políticos”.2Não se pode fazer malabarismos com as palavras se não se quer converter em um trapaceiro político, pois a diferença entre uma guerra entre dois grupos de predadores e uma guerra conduzida pela classe oprimida que se levanta contra qualquer predador é elementar, radical e básica. A questão não é se um ou outro partido, uma ou outra classe, um ou outro governo justifica a questão; a questão é qual o conteúdo dessa guerra, qual seu conteúdo de classe, qual a classe que conduz a guerra, qual política se encarna na guerra.
LÊNIN, Vladímir Ilitch. Democracia e luta de classes: textos escolhidos. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 31. [Original: 1918].
Ao ver um candidato(a), a pergunta fundamental é “Para qual classe você trabalha?”

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