O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,2% no primeiro trimestre de 2021 em comparação com o trimestre anterior. Essa informação foi disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como resultado, o PIB voltou ao patamar do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia.
O valor surpreendeu as projeções – que apontavam um crescimento menor – o novo resultado foi comemorado pelo governo e reacendeu o tom otimista da equipe econômica. Paulo Guedes (Ministro da Economia) chegou a afirmar que esse resultado sinaliza um crescimento bastante forte:
“A economia veio forte. Quero manifestar que a economia cresceu no trimestre 1,2% na margem e 1% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, só no trimestre. O que sinaliza um crescimento bastante forte da economia esse ano”
Paulo Guedes
O número divulgado confirma que a economia brasileira começou o ano em expansão e que iniciou a recuperação dos danos causados pela pandemia de Covid-19. Entretanto, uma análise mais detalhada revela que, apesar da alta, também houve retração. Exemplo disso foi o consumo das famílias, que diminuiu no mesmo período.
O consumo das famílias (-0,1%), que é o principal motor do PIB, refletiu o aumento da inflação, o desemprego em patamar recorde e principalmente a redução do auxílio emergencial. Atualmente, a parcela mais alta do auxílio (R$375,00) é 68,7% menor em comparação com o valor da parcela pago em abril de 2020.
Após uma queda (-4,10%) do PIB, no ano de 2020, será que o tom otimista do ministro da economia é justificável? Por que as famílias brasileiras não sentiram a “economia forte” descrita por Paulo Guedes?
Fatores a serem considerados
Para responder essas perguntas, é preciso entender que o PIB é apenas um indicador para ajudar a compreender o país. Porém, ele não expressa importantes fatores, como distribuição de renda, qualidade de vida, educação ou saúde. Além disso, uma estimativa econômica concreta deve levar em consideração as taxas de desemprego, inflação e taxa de juros, fatores determinantes no crescimento da economia.
Partindo para uma análise desses fatores e começando pela taxa de desemprego, já é possível notar uma inconsistência nesse crescimento devido ao último resultado divulgado pelo IBGE, referente ao mesmo trimestre do crescimento do PIB. Segundo o instituto, a taxa de desemprego subiu para 14,7% e atingiu o recorde de desempregados, se tornando a maior taxa já registrada pela série histórica do IBGE, iniciada em 2012.
O número de subutilizados chegou a 33,2 milhões, que também atingiu nova máxima, e os chamados desalentados, que não são computados no número de desempregados, somam mais de 6 milhões de brasileiros. As altas taxas de desemprego são um reflexo direto da pandemia de Covid -19. Entretanto, a sabotagem do combate à pandemia promovida pelo governo federal e a adoção tardia de medidas de contenção do vírus potencializaram o desemprego no país.
Inflação, um velho novo problema
Se o desemprego foi consequência direta da pandemia, o mesmo não se pode dizer da inflação, que já apresentava alta em 2019. Mesmo com a desaceleração da economia em 2020, contrariando as expectativas, a inflação continuou subindo.
Recentemente, em maio de 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação do país, ficou em 0,83%, segundo dados divulgados pelo IBGE. Essa é a maior alta para um mês de maio desde 1996. Nos últimos 12 meses o índice já subiu 8,06%. Outros índices apresentaram altas ainda maiores. É o caso do Índice Geral de Preço – Mercado (IGP-M), que geralmente é usado para corrigir o preço do aluguel, subiu 4,1% em maio, como aponta o instituto de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
No ano de 2020, o que mais pesou na conta da inflação foi a alta dos alimentos, que em vários casos registraram altas superiores a 60%. Em 2021, porém, o que pressiona a taxa de inflação são os preços dos combustíveis e a alta da energia elétrica. Esse tipo de inflação atinge com mais força as classes mais pobres. Portanto, é extremamente prejudicial aos indicadores socioeconômicos.
A FGV mostrou que, em 2020, a inflação sentida pelas famílias mais pobres foi em média 10 vezes maior que a das famílias mais ricas. Como consequência, a desigualdade social alcançou recorde histórico em 2021, no estudo feito pela mesma instituição. Neste cenário, problemas como a insegurança alimentar voltaram a ganhar destaque.
A Taxa de Juros
Para combater a pressão inflacionária, o Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central, responsável por manter a inflação dentro da meta, elevou no último dia 16 de junho a taxa básica de juros (Selic). Esse tipo de medida que combate a inflação também tem efeito retardante no crescimento econômico. Na prática, se a taxa subir , como aconteceu no último dia 16, a economia tende a se desaquecer, reduzindo a inflação e o volume do crescimento do país.
A recuperação de 1,2%, comemorada pelo governo Bolsonaro, em contraste com a alta inflação, elevadas taxas de desemprego, redução nos indicadores sociais e taxa de juros na contramão do crescimento, revela que essa recuperação existe na forma de uma fábula, agradável para o governo Bolsonaro e para uma pequena classe brasileira. Para a maioria restante, principalmente para as classes de brasileiros mais vulneráveis, a realidade econômica é degradante.
Ingerência Econômica
Ainda mais lamentável que a inflação e o desemprego é o posicionamento do ministro da economia, Paulo Guedes, e do Presidente, Jair Bolsonaro, frente a esses indicadores. Ambos comemoram um suposto crescimento inconsistente, ignorando a urgência dos problemas socioeconômicos do país, propondo soluções pífias, típicas de despreparados.
Na última quinta-feira (17), por exemplo, durante o 1º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, Paulo Guedes chegou a considerar dar restos de comida para os desamparados como forma de combater a insegurança alimentar. Segundo ele, o governo estuda formas de direcionar alimentos desperdiçados pelas famílias brasileiras aos programas sociais.
“O prato de ‘um classe média’ europeu é pequeno, no nosso, há uma sobra enorme. Precisamos pensar como utilizar esse excesso no dia a dia. Aquilo dá pra alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, pessoas desamparadas. É muito melhor que deixar estragar.
Paulo Guedes
Já o Presidente Jair Bolsonaro ignora completamente os problemas socioeconômicos. No último pronunciamento feito em rede nacional, o presidente não mencionou medidas de combate às altas taxas de desemprego – tampouco demonstrou interesse no rígido combate à pandemia. Combate esse, que é essencial para a retomada da economia.
Por parte do governo não existe sequer um plano de recuperação nacional. Nesse cenário, Jair Bolsonaro “surfa” no desconhecimento econômico de grande parte dos brasileiros, gabando-se de conquistas que em nada contribuem para as famílias brasileiras, ou fazendo afirmações falsas sobre a economia. Durante seu último pronunciamento chegou a afirmar que:
“Ontem a Bolsa de valores bateu novo recorde histórico, A moeda brasileira se fortalece”
Presidente Jair Bolsonaro
No trecho acima, a primeira informação não é mérito do seu governo e não contribui em nada para a melhora dos indicadores socioeconômicos brasileiros. Já a segunda informação é falsa.
Incertezas
Diante de um avanço lento da vacinação contra Covid-19, as UTIs de boa parte do país continuam sob pressão. Em dez capitais e no Distrito Federal, a taxa de ocupação de leitos está em pelo menos 90%.
Desde o início de Junho, o número médio de contaminados por Covid-19 no Brasil, vem crescendo. Os dados mais recentes (22/06/20) mostram que apenas 11,52% da população está totalmente imunizada e que a média móvel de mortos está na marca de 2.080 óbitos por dia. Diante desse cenário, a Fiocruz já fez um alerta para uma possível terceira onda.
Uma terceira onda de Covid -19, tão destrutiva quanto a segunda, ainda não é um consenso entre especialistas. Entretanto, o número crescente de casos já coloca em debate a retomada de medidas restritivas no país. Essa incerteza coloca em risco não só as vidas de milhares de brasileiros, mas também o próximo resultado trimestral do PIB.
Outra interrogação fragiliza ainda mais o crescimento do PIB. Com os reservatórios das hidrelétricas no nível mais baixo em quase um século, analistas se dividem sobre os impactos de uma crise hídrica que está por vir. O próprio secretário do Tesouro, Bruno Funchal, admitiu que o governo teme os efeitos da conjuntura energética sobre inflação e o crescimento.
Considerando as incertezas, sobretudo em relação à vacinação contra a Covid-19, ainda é cedo para analisar como será o ritmo da economia ao longo do ano. Pressupor que este resultado inicial é um forte crescimento é uma suposição completamente imprudente e inconsistente.
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