O Frágil Crescimento do PIB

A recuperação de 1,2% comemorada pelo governo Bolsonaro em contraste com a alta inflação, elevadas taxas de desemprego, aumento de casos de Covid-19 e uma futura crise hídrica.

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,2% no primeiro trimestre de 2021 em comparação com o trimestre anterior. Essa informação foi disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como resultado, o PIB voltou ao patamar do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia.

O agronegócio foi destaque entre os setores. A alta de 5,7% inflou o crescimento total do PIB, resultado alcançado pela melhora na produtividade e no desempenho de alguns produtos, sobretudo, a soja, com previsão de safra recorde este ano.

O valor surpreendeu as projeções – que apontavam um crescimento menor –  o novo resultado foi comemorado pelo governo e reacendeu o tom otimista da equipe econômica. Paulo Guedes (Ministro da Economia) chegou a afirmar que esse resultado sinaliza um crescimento bastante forte:

“A economia veio forte. Quero manifestar que a economia cresceu no trimestre 1,2% na margem e 1% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, só no trimestre. O que sinaliza um crescimento bastante forte da economia esse ano”

Paulo Guedes

O número divulgado confirma que a economia brasileira começou o ano em expansão e que iniciou a recuperação dos danos causados pela pandemia de Covid-19. Entretanto, uma análise mais detalhada revela que, apesar da alta, também houve retração. Exemplo disso foi o consumo das famílias, que diminuiu no mesmo período.

O consumo das famílias (-0,1%), que é o principal motor do PIB, refletiu o aumento da inflação, o desemprego em patamar recorde e principalmente a redução do auxílio emergencial. Atualmente, a parcela mais alta do auxílio (R$375,00) é 68,7% menor em comparação com o valor da parcela pago em abril de 2020.

Valor atual do auxílio não compra uma cesta básica

Após uma queda (-4,10%) do PIB, no ano de 2020, será que o tom otimista do ministro da economia é justificável? Por que as famílias brasileiras não sentiram a “economia forte” descrita por Paulo Guedes?

Fatores a serem considerados

Para responder essas perguntas, é preciso entender que o PIB é apenas um indicador para ajudar a compreender o país. Porém, ele não expressa importantes fatores, como distribuição de renda, qualidade de vida, educação ou saúde. Além disso, uma estimativa econômica concreta deve levar em consideração as taxas de desemprego, inflação e taxa de juros, fatores determinantes no crescimento da economia.

Partindo para uma análise desses fatores e começando pela taxa de desemprego, já é possível notar uma inconsistência nesse crescimento devido ao último resultado divulgado pelo IBGE, referente ao mesmo trimestre do crescimento do PIB. Segundo o instituto, a taxa de desemprego subiu para 14,7% e atingiu o recorde de desempregados, se tornando a maior taxa já registrada pela série histórica do IBGE, iniciada em 2012.

O número de subutilizados chegou a 33,2 milhões, que também atingiu nova máxima, e os chamados desalentados, que não são computados no número de desempregados, somam mais de 6 milhões de brasileiros. As altas taxas de desemprego são um reflexo direto da pandemia de Covid -19. Entretanto, a sabotagem do combate à pandemia promovida pelo governo federal e a adoção tardia de medidas de contenção do vírus potencializaram o desemprego no país.

Inflação, um velho novo problema

Se o desemprego foi consequência direta da pandemia, o mesmo não se pode dizer da inflação, que já apresentava alta em 2019. Mesmo com a desaceleração da economia em 2020, contrariando as expectativas, a inflação continuou subindo.

Recentemente, em maio de 2021, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação do país, ficou em 0,83%, segundo dados divulgados pelo IBGE. Essa é a maior alta para um mês de maio desde 1996. Nos últimos 12 meses o índice já subiu 8,06%. Outros índices apresentaram altas ainda maiores. É o caso do Índice Geral de Preço – Mercado (IGP-M), que geralmente é usado para corrigir o preço do aluguel, subiu 4,1% em maio, como aponta o instituto de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Percentual acima do teto da meta de 5,25% previsto para este ano.
Com o último resultado, índice acumula alta de 14,4% no ano e de 37% nos últimos 12 meses.

No ano de 2020, o que mais pesou na conta da inflação foi a alta dos alimentos, que em vários casos registraram altas superiores a 60%. Em 2021, porém, o que pressiona a taxa de inflação são os preços dos combustíveis e a alta da energia elétrica. Esse tipo de inflação atinge com mais força as classes mais pobres. Portanto, é extremamente prejudicial aos indicadores socioeconômicos.

A FGV mostrou que, em 2020, a inflação sentida pelas famílias mais pobres foi em média 10 vezes maior que a das famílias mais ricas. Como consequência, a desigualdade social alcançou recorde histórico em 2021, no estudo feito pela mesma instituição. Neste cenário, problemas como a insegurança alimentar voltaram a ganhar destaque.

A Taxa de Juros

Para combater a pressão inflacionária, o Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central, responsável por manter a inflação dentro da meta, elevou no último dia 16 de junho a taxa básica de juros (Selic). Esse tipo de medida que combate a inflação também tem efeito retardante no crescimento econômico. Na prática, se a taxa subir , como aconteceu no último dia 16, a economia tende a se desaquecer, reduzindo a inflação e o volume do crescimento do país.

A recuperação de 1,2%, comemorada pelo governo Bolsonaro, em contraste com a alta inflação, elevadas taxas de desemprego, redução nos indicadores sociais e taxa de juros na contramão do crescimento, revela que essa recuperação existe na forma de uma fábula, agradável para o governo Bolsonaro e para uma pequena classe brasileira. Para a maioria restante, principalmente para as classes de brasileiros mais vulneráveis, a realidade econômica é degradante.

Ingerência Econômica

Ainda mais lamentável que a inflação e o desemprego é o posicionamento do ministro da economia, Paulo Guedes, e do Presidente, Jair Bolsonaro, frente a esses indicadores. Ambos comemoram um suposto crescimento inconsistente, ignorando a urgência dos problemas socioeconômicos do país, propondo soluções pífias, típicas de despreparados.

Na última quinta-feira (17), por exemplo, durante o 1º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, Paulo Guedes chegou a considerar dar restos de comida para os desamparados como forma de combater a insegurança alimentar. Segundo ele, o governo estuda formas de direcionar alimentos desperdiçados pelas famílias brasileiras aos programas sociais.

“O prato de ‘um classe média’ europeu é pequeno, no nosso, há uma sobra enorme. Precisamos pensar como utilizar esse excesso no dia a dia. Aquilo dá pra alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, pessoas desamparadas. É muito melhor que deixar estragar.

Paulo Guedes

Já o Presidente Jair Bolsonaro ignora completamente os problemas socioeconômicos. No último pronunciamento feito em rede nacional, o presidente não mencionou medidas de combate às altas taxas de desemprego – tampouco demonstrou interesse no rígido combate à pandemia. Combate esse, que é essencial para a retomada da economia.

Charge de Jean Galvão

Por parte do governo não existe sequer um plano de recuperação nacional. Nesse cenário, Jair Bolsonaro “surfa” no desconhecimento econômico de grande parte dos brasileiros, gabando-se de conquistas que em nada contribuem para as famílias brasileiras, ou fazendo afirmações falsas sobre a economia. Durante seu último pronunciamento chegou a afirmar que:

“Ontem a Bolsa de valores bateu novo recorde histórico, A moeda brasileira se fortalece”

Presidente Jair Bolsonaro

No trecho acima, a primeira informação não é mérito do seu governo e não contribui em nada para a melhora dos indicadores socioeconômicos brasileiros. Já a segunda informação é falsa.

Incertezas

Diante de um avanço lento da vacinação contra Covid-19, as UTIs de boa parte do país continuam sob pressão. Em dez capitais e no Distrito Federal, a taxa de ocupação de leitos está em pelo menos 90%.

Desde o início de Junho, o número médio de contaminados por Covid-19 no Brasil, vem crescendo. Os dados mais recentes (22/06/20) mostram que apenas 11,52% da população está totalmente imunizada e que a média móvel de mortos está na marca de 2.080 óbitos por dia. Diante desse cenário, a Fiocruz já fez um alerta para uma possível terceira onda.

Uma terceira onda de Covid -19, tão destrutiva quanto a segunda, ainda não é um consenso entre especialistas. Entretanto, o número crescente de casos já coloca em debate a retomada de medidas restritivas no país. Essa incerteza coloca em risco não só as vidas de milhares de brasileiros, mas também o próximo resultado trimestral do PIB.

Outra interrogação fragiliza ainda mais o crescimento do PIB. Com os reservatórios das hidrelétricas no nível mais baixo em quase um século, analistas se dividem sobre os impactos de uma crise hídrica que está por vir. O próprio secretário do Tesouro, Bruno Funchal, admitiu que o governo teme os efeitos da conjuntura energética sobre inflação e o crescimento.

Considerando as incertezas, sobretudo em relação à vacinação contra a Covid-19, ainda é cedo para analisar como será o ritmo da economia ao longo do ano. Pressupor que este resultado inicial é um forte crescimento é uma suposição completamente imprudente e inconsistente.

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