Este é o título de um dos poemas de Pat Parker, uma proeminente poeta estadunidense, feminista, lésbica e negra. Nele, a autora diz o seguinte:
“Não deixe os fascistas falarem”
“Nós queremos ouvir o que eles têm a dizer”
“Deixe-os fora da sala de aula”
“Todo mundo tem direito a liberdade de expressão”
sou uma filha América
uma enteada
criada no quarto dos fundos
entretanto ensinada
ensinada a me comportar
nas suas salas de estar
minha cabeça dá um salto
as vozes dos estudantes
gritando
insultos ameaças
“Deixe os nazis falarem”
“Deixe os nazis falarem”
Todo mundo tem o direito
de falar
eu coloco uma criança negra
com pernas hidratadas com óleo
numa escola negra
numa parte negra da cidade
olho para professora negra
a Declaração de direitos
garante
a todos nós o direito
minha cabeça
recorda canta
artigo I artigo I
& minhas entranhas reviram
elas se lembram
a professora negra
na escola negra
numa parte negra
de uma cidade muito branca
que nos parou
quando nós atacamos
o diretor marionete
o conselho branco
de desEducação
despacha livros
ilustrados com
desenhos &
palavras de sabedoria
escritos por brancos
crianças na
outra parte da cidade
dão falta de páginas
caricaturas
de pretos linchados—
a declaração de direitos
foi escrita para
nos
proteger
minha cabeça recorda
& minhas entranhas reviram
conjuram imagens
polícia
dispersam
manifestações ilegais
assembleias ilegais
conjuram a imagem
de um Pantera Negra
“se um Zé Mané
tentar nos parar
nós pararemos ele”
conjuram imagens
desse mesmo homem negro
indo para a cadeia
por ameaçar
a vida do
PRESIDENTE
todo cidadão
tem direito à
liberdade de expressão
minha cabeça recorda
& minhas entranhas reviram
conjuram imagens
de judeus em campos
de homossexuais em campos
de socialistas em campos
“Deixe os nazis falarem”
“Deixe os nazis falarem”
caras
uma sala de aula
universitária
“Você também está sendo fascista.”
“Nós queremos ouvir o que
eles tem a dizer”
caras
numa sala de aula universitária
jovens caras brancas
falam deixe eles falarem
falam deixe eles falarem
Negros, judeus alguns brancos
pegam o megafone
“Nós não queremos ouvir
sua retórica socialista”
retórica socialista
retórica
da sobrevivência
a suprema corte
diz que é ilegal
gritar fogo
num teatro lotado
gritar fogo
num teatro lotado
cria pânico as pessoas
correm e machucam umas às outras
minha cabeça recorda
e agora eu sei
o que minhas entranhas
dizem
é ilegal provocar
as pessoas
o pânico
correr
machucar
não há
contradição
o que os nazis dizem
fará com que
as pessoas
ME
machuquem.
Pat Parker, cujo prenome é Patrícia Cooks, nasceu em 20 de fevereiro de 1944, em Houston, no Texas. Oriunda de uma família trabalhadora, sua mãe era uma empregada doméstica e seu pai um borracheiro. Ela obteve um diploma de graduação no Los Angeles City College e pós-graduação no San Francisco State College.
Parker casou-se duas vezes, primeiro com o dramaturgo Ed Bullins e depois com Robert F. Parker, e teve dois filhos. No final dos anos 1960, após seu último divórcio, começou a se identificar mais abertamente enquanto lésbica e se tornou uma ativista pelos direitos civis, direitos das mulheres e direitos dos homossexuais. Como resultado disso, ajudou a fundar o Conselho Revolucionário das Mulheres Negras e o Coletivo de Imprensa Feminina. Trabalhou de 1978 a 1988 como diretora executiva do Centro Feminista de Cuidadeos da Mulher em Oakland.
Pat Parker é conhecida por sua honestidade inabalável em lidar com questões de sexo, raça, maternidade, alcoolismo, violência doméstica, racismo e luta de classes. Ela demostra em sua poderosa poesia todo seu engajamento político. A poeta contemporânea à Parker Audre Lorde chamou sua poesia de “limpa e nítida, sem nunca ser legal”; Adrian Oktenberg, escrevendo na Women’s Review of Books, a chamou de “a poeta laureada dos povos negros e lésbicas”; “Essa poetisa barulhenta”, escreve Lyndie Brimstone sobre Pat Parker na Feminist Review [1] , “que plantou seus pés firmemente em plataformas por toda a América e exigiu que seu público, sejam eles quem forem, prestasse atenção, não fosse apenas da classe trabalhadora , ela era negra e lésbica: a primeira a se recusar a transigir e a falar abertamente de toda a sua experiência não diluída. “. Durante sua carreira de poeta, ela lançou cinco coleções de poesia: Child of Myself (1972), Pit Stop (1975), Movement in Black (1978), Woman Slaughter (1978) e Jonestown and Other Madness (1985).
Pat Parker morreu prematuramente aos 45 anos, vítima de um câncer de mama.
E por que evocar o poema “não deixe os fascistas falarem” (don’t let the fascist speak) de Pat Parker? Nos últimos dias, vimos que veio à tona uma carta, resposta do (infelizmente) presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a seus eleitores abertamente neonazistas. Na carta, ele diz: “todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato.”. Como diz o ditado alemão, “se um nazista se senta numa mesa de dez pessoas e estas não se levantam, temos então onze nazistas”.
O que me leva a expor tal fato – de que os nazistas andam sem pudor em mostrar as caras em locais públicos – é um fato ocorrido no último final de semana aqui, em Patos de minas. Nele, assistimos cidadãos patenses fazerem uma “passeata” de apoio ao presidente, dias depois de exposto o seu não tão secreto relacionamento com neo-nazistas. Na ocasião, Bolsonaro se encontrou com ninguém menos que Beatrix von Storch, neta de um ex-ministro de Hitler, vice-líder de um partido de extrema-direita Alemão.
“Patenses Nazistas”? Bem, eu não tenho medo de dizer: sim, são todos nazistas! Mas, por nazistas vamos entender aqui aqueles que aderem às práticas típicas do nazismo, ainda que assim não se nomeiem. São os homofóbicos, racistas, machistas, chauvinistas, que deixam escapar seu desejo eugenista contra minorias políticas, fundamentalistas religiosos e um largo etecetera. Não me digam que estou fazendo uso exagerado do termo, pois, caso não fossem nazistas, não teriam ido a uma passeata apoiar outro nazista. Lembram-se do ditado alemão? Pois é. Aqueles que foram à passeata são aqueles que resolveram permanecer sentados, quando o nazista chegou à mesa.
Tal fato me faz retornar novamente ao poema de Parker. Nós estamos há muito tempo deixando que os “nazi-fascistas” falem, que os “nazi-fascistas” ditem as regras. Por isso, o poema que apresento a vocês é um convite à reflexão e, sobretudo, à ação. Como observaram, os versos de Pat Parker evocam os direitos civis, os direitos de todos falarem. Ele recobra força nos dias de hoje em face do autoritarismo crescente que vivemos em nosso país. Estamos sendo silenciados com prisões arbitrárias, baseadas em velhas leis da época da ditadura, quando ousamos denunciar a política genocida de Bolsonaro [2]. Ao questionarmos, entretanto, tais fatos, os bolsonaristas evocam o “direito à livre expressão”, confundido aqui com o direito da liberdade de falar para nos machucarem, como lembra Pat Parker.
Diante desse impasse, encerro o texto com uma provocação: até quando nós vamos deixar que eles falem livremente sobre nos silenciar?
Ouça também a própria Pat Parker declamar este poema.
Notas:
[1] Women’s Review of Books , abril de 1986, pp. 17-19.
[2] O caso de Rodrigo Pilha, detido, espancado e encarcerado na Papuda por dizer o óbvio – Bolsonaro genocida!, e a recente prisão do entregador de app “Galo” – é um grande exemplo sobre isso que estou falando.
Não sentar na mesma mesa já é um bom começo…