Focos de incêndio na região apontam para degradação histórica do Cerrado

A fumaça que encobriu Patos de Minas é uma expressão clara do contexto sociopolítico no qual as queimadas se inserem na teia de fatores mais amplos que têm acelerado a degradação ambiental em todo o país.

No dia 10 de setembro, a cidade de Patos de Minas amanheceu sob a fumaça espessa de queimadas que assolam a região. A bruma cinzenta, que  cobria o centro da cidade e os bairros periféricos, não passou despercebida. O sol amanheceu vermelho, fenômeno causado pela poluição na atmosfera.

Apesar de ser comum haver incêndios nesta época, que ocorrem geralmente pela ação do ser humano em condições favoráveis para o fogo, como o tempo seco e a baixa umidade do ar, o número de queimadas tem aumentado – acendendo luzes de alerta. Já é consenso entre especialistas que a frequência cada vez pior de focos de queimadas são consequências das mudanças climáticas.

Em agosto, um incêndio de grandes proporções atingiu a estância de Serra Negra, em Patrocínio, e só foi controlado após dez dias de combate ao fogo, que destruiu 400 hectares. Em Patos de Minas, que amanheceu coberta pela fumaça, um incêndio que aconteceu às margens da rodovia MGC-354 destruiu mais de 40 hectares.

O fogo também já destruiu unidades de conservação, como a Mata do Catingueiro, que já pegou fogo várias vezes, e áreas urbanas e rurais da região – deixando um rastro de perdas para agricultores e para a natureza local. A fumaça do fogo também reduz a qualidade do ar e contribui para o aumento de doenças respiratórias (isto já num contexto pandêmico). Isso tudo não é apenas um problema local, mas relaciona-se com a degradação ambiental que vem acontecendo no país.

De 2020 para cá, o Cerrado perdeu 4.321,83 km² de sua área para o desmatamento. Isso seria cerca de 30% de toda a área desmatada no Brasil ao longo do ano passado, de acordo com o relatório da MapBiomas. E nas últimas três décadas (1985-2020), o Cerrado perdeu 20% de toda sua área nativa, principalmente para a agropecuária.

Com o avanço das fronteiras agrícolas, por meio da expansão e proliferação de plantações de soja, milho e algodão voltadas para exportação, o Cerrado tem perdido vegetação nativa de maneira muito acelerada.  Se o cenário continuar assim, o bioma entrará em colapso daqui 30 anos. Porém, os desequilíbrios já podem ser sentidos.

Imagem de satélite do Inpe mostra pontos de incêndio no Cerrado em Minas Gerais, no dia 9 de setembro. — Foto: Inpe

Crises hídricas frequentes, queimadas, desertificação, ondas de calor, secas prolongadas, alteração do ciclo hidrológico e perda da fauna e flora são consequências atuais de um Cerrado destruído. Ainda neste ano, corremos um risco de apagão, devido à seca que esvaziou os principais reservatórios nacionais. Em Patos de Minas, o Rio Paranaíba, nossa principal fonte de abastecimento, encontra-se com apenas 20% do seu leito em alguns trechos, revelando já  bancos de areia.

Os desequilíbrios ambientais também são um problema social, pois acarretam no  encarecimento das tarifas de água e luz, punindo principalmente os mais pobres. Além disso, com o avanço do “agro”, os pequenos produtores vêm perdendo espaço, agravando a concentração de terras nas mãos de latifundiários, que destroem o meio ambiente e embolsam os dólares ganhos com a exportação de bens agrícolas produzidos em larga escala. Essa situação torna ainda mais urgente a tão discutida reforma agrária, que nunca saiu do papel.

Antes de resolver todos estes problemas, é preciso desconstruir o discurso pró-agro, que não aceita qualquer tipo de crítica contra o seu modo de funcionamento. A base ruralista, formada por latifundiários, trava qualquer iniciativa que tente conter o avanço da degradação ambiental. Querem continuar com a devastação. O maior exemplo disso é a discussão em torno do marco temporal, que pode transformar terras indígenas em novas fronteiras agrícolas. Além de projetos de lei que podem legalizar a grilagem de terras (pl 2633) ou praticamente dispensar o licenciamento ambiental (pl 3729).

A névoa tóxica que encobriu a cidade e deixou o sol vermelho serve de alerta para o futuro que nos espera. Por aqui, o pouco que restou do Cerrado está  ardendo em chamas de maneira criminosa. Heloísa, proprietária de um restaurante às margens da rodovia e que teve grandes prejuízos com o fogo, disse que “em 26 anos, jamais viu tanta destruição causada pelo fogo”. Não se trata de acaso, mas de um colapso ambiental que vem acontecendo em escala nacional, resultado da ação humana, principalmente por meio do agronegócio.

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