Entre os achismos e os delírios de um vereador

Mimimi bolsonarista adota discurso vitimista em relação ao TSE e relativiza o racismo.

Por Marcelo Custódio e Geison Neves

Também acometido pelos males do tédio e da falta do que fazer com o mandato e com o salário, o vereador José Luiz Borges Júnior (do PODEMOS, partido que gosta do Poder) decidiu, nesta quarta (23), jogar pesado em busca do título de bolsominion mais delirante da Villa de Patos.

Vitimismo em relação ao Tribunal Superior Eleitoral 

Desde antes da derrota, o bolsonarismo passou a empregar um forte discurso vitimista e mimizento, que agora eleva, por meio de José Luiz, essa birra ao Tribunal Superior Eleitoral: o parlamentar apresentou uma proposta de moção de repúdio contra o ministro Alexandre de Moraes – que vem suspendendo perfis nas redes sociais de influencers que praticam desinformação.

Segundo José Luiz, a suspensão desses perfis configura censura por parte do TSE. Para ele, divulgar informações falsas e teorias conspiratórias envolvendo a última eleição seria liberdade de expressão. Do mesmo modo, bloqueios em rodovias ou atos antidemocráticos na porta de quartéis, clamando ao salvacionismo militar por um golpe de Estado, para o vereador, seriam manifestações pacíficas.

Fazendo arminha para a câmera (querendo simular o ato de atirar no observador? Evocando a figura paternal de seu ídolo derrotado como expressão fálica de um poder perdido?1O que passa pela mente desse sujeito? Talvez nem ele saiba!), José tenta parecer um proativo parlamentar. Ocorre, porém, que seu projeto de moção de repúdio, que não consta no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo da Câmara2consultado neste sábado, 26 de novembro, 12:25, é publicado pelo lastimável Patos Notícias aparentemente preservando a curiosa incompetência linguística e a confusão mental do parlamentar, da qual poupamos você, leitor(a).

Sobre a Semana da Consciência Negra

Ainda nesta quarta (23), o vereador – que gosta mesmo de ser um tremendo chato! – não deixou de acenar para os reacionários que o apoiam, pedindo um biscoito a mais ao ser entrevistado pela Jovem Klan… ops! Jovem Pan. Perdendo a oportunidade de ficar calado, disse o despudorado vereador:

Transcrição do disparate, sem as aborrecedoras interjeições de “nés” (destaques nossos): “Na verdade, é uma semana que deve, sim, ser realizada, no meu entender, porém com outro intuito. Nós tivemos ontem aqui na Câmara Municipal a participação de alguns líderes de entidades que fizeram leitura de uma carta, porém a maneira que é colocada isso aí, eu discordo. É uma maneira que leva a semana da consciência negra para o lado vitimista, falando que a sociedade tem racismo estrutural. Não concordo com isso. Eu concordo que há sim o racismo pontual, que a gente tem que combater de algumas pessoas que infelizmente tem essas ações, que são horríveis, mas não podemos generalizar isso aí. Colocar o brasileiro como racista. Trazer também a ideia de que há desigualdade com os negros, é mentira! Isso é mentira! Hoje, o negro, ele tem acesso até mais privilegiado que todos os outros [sic], inclusive cotas raciais para ingressar em uma faculdade. [corte da emissora] Ao invés de virem falar, trazer, sobre a cultura africana e tudo mais… culinária, dança, tudo em geral… não trazem, trazem apenas esse discurso vitimista que é mentiroso para enganar a população. Isso não é só eu que penso, boa parte da população pensa da mesma maneira, só que, por ser um tema polêmico, poucos tem a vontade de falar.”

Informação pontual importante: independente do mimimi ressentido de José Luiz, Silvio Almeida já conceituou o racismo estrutural. Como de praxe, a atividade científica não está nem aí para a opinião/discordância do vereador, que, baseada em puro achismo, é absolutamente irrisória para a ciência. No caso do conceito de racismo estrutural, já exaustivamente ratificado academicamente, descreve-se que 

o racismo, como processo histórico e político, cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática. Ainda que os indivíduos que cometam atos racistas sejam responsabilizados, o olhar estrutural sobre as relações raciais nos leva a concluir que a responsabilização jurídica não é suficiente para que a sociedade deixe de ser uma máquina produtora de desigualdade racial.

Trecho de Silvio Luiz de Almeida, na obra Racismo Estrutural3São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen Livros, 2019, p.34.
Silvio Almeida

Porém, a lamúria de José Luiz não é sequer com a forma pela qual é realizada a Semana da Consciência Negra na cidade, mas com os fatos propriamente ditos da sociedade. O sistema de cotas, tratado pelo pouco informado vereador como privilégio, serve justamente para combater a estruturação do ensino superior como privilégio branco; afirmar que há igualdade social entre negros e brancos vai contra qualquer compromisso com a verdade – basta constatar, por exemplo, a diferença salarial.

Retirado da matéria “Mês da Consciência Negra: trabalhadores brancos ganham 69,5% mais que negros“, de Tamíris Almeida, publicada pelo Futura. Disponível em: <https://www.futura.org.br/mes-da-consciencia-negra-trabalhadores-brancos-ganham-695-mais-que-negros/> Acesso em 26 nov. 2022.

Para o bolsonarista carente de atenção, reconhecer estruturas e mecanismos sociais de perpetuação da desigualdade racial é simplesmente chamar o brasileiro de racista. Ocorre, porém, que o “brasileiro” de José Luiz é uma ficção, um cosplay de torcedor da copa na porta de um Tiro de Guerra.

Mais: o “brasileiro” do vereador não precisa se responsabilizar por nada. Desesperado por atenção, José Luiz finge ignorar que “entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas4ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019. p. 34. .

A noção restritiva de um “racismo pontual”, levantada pelo bolsonarista, além de factualmente falsa – ou ele “acha” que a violência racializada no Brasil de quase quatro séculos de regime escravocrata é meramente pontual?5Foram 3.290 mortes em operações policiais em 2021 na Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas, 2.154 vítimas (65%) eram negras. CAMPOS, Ana Cristina. “Negros são maioria dos mortos em ações policiais. É o que diz pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança.” Agência Brasil (EBC). Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-11/negros-sao-maioria-dos-mortos-em-acoes-policiais. Acesso em 26 nov. 2022. – é um chamado à inércia e à desresponsabilização. Racismo, nessa concepção, é sempre ato isolado de um Outro abstrato e fantasmagórico.

José poderia ter ficado calado. Mas não o fez, pois gosta dos holofotes e acha que sua ignorância faz dele um polemista. A nosso ver, estará em um memorial de disparates da Villa de Patos que oscilam entre o risível e o lastimável.

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