Nesta postagem, continuo a análise iniciada anteriormente, de maneira a enfatizar, desta vez, a inconstitucionalidade da privatização dos Correios e os significados das privatizações no Brasil.
Inconstitucionalidade
Ainda há mais a se argumentar contra a privatização. Um dos fatores é que o serviço postal, pelo inciso X do artigo 21 da Constituição, são de competência da União. Dessa forma, qualquer ato com menos força jurídica que a Constituição por parte do governo no intento de privatizar a ECT caracteriza-se como inconstitucionalidade. Até mesmo o Decreto 10066, de 2019, assinado por Bolsonaro, também é uma afronta à Constituição. Esse decreto qualificava a ECT para fazer parte de um programa em que se avaliaria “alternativas de parceria com a iniciativa privada”. O objetivo do governo ao cometer essas irregularidades, longe de ser “ganhos de eficiência”, é fazer alarde para os interessados na privatização. De quebra, acabava produzindo material a ser utilizado na argumentação dos governistas.
A inconstitucionalidade é tão flagrante que a própria Procuradoria Geral da República, pressionada pelo Supremo Tribunal Federal, deu parecer aceitando a procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida contra o projeto de privatização pela Associação dos Profissionais dos Correios. Para que fique bastante claro, essa ADI diz:
De volta à privataria – sobre a falsidade dos liberais
Apesar da simplicidade da questão, Augusto Aras, o Procurador-geral, fez o parecer claramente a contragosto. Ou seja, apesar de SABER da inconstitucionalidade das intenções do governo, Aras, indicado por Bolsonaro, tratou de amenizar o argumento da ADI dos Profissionais dos Correios. Encontrou pormenores burocráticos e disse que o objeto principal da Ação era a Lei 9491, de 1997. Essa herança maldita de Fernando Henrique Cardoso (FHC) estabelecia que empresas controladas direta ou indiretamente pela União poderiam ser objeto de “desestatização”. Apesar de não querer, Aras foi obrigado a aceitar a argumentação da ADI. Mas o fato de ele ter dito que o objeto principal dela é uma lei da época de FHC diz muito sobre o que significa defender privatizações no Brasil.
Durante os anos 1990, o Estado abriu mão de várias empresas públicas. O argumento utilizado era o mais esdrúxulo possível: políticos da direita liberal acusavam as estatais de inoperância administrativa e incompetência burocrática. Isso foi provado falso. Como observou Monica Piccolo Almeida, em sua tese de doutoramento em História na Universidade Federal Fluminense, a situação de crise de muitas estatais ao fim dos anos 1980 estava relacionada a “políticas pouco realistas de preços dos produtos e utilização das empresas estatais não só como captadoras de créditos externos como também elementos fundamentais de contenção da inflação” (p. 350). Ou seja, foi o fracasso econômico da Ditadura (mais especificamente, do II PND de Geisel) que mergulhou as estatais em uma espiral de crises. E foi essa espiral que acabou se tornando o pretexto usado pela classe dominante para mover as privatizações.
Apesar da falsidade do discurso da direita liberal, ele se cristalizou no imaginário popular da época. Para isso, os governistas de então usaram pressão midiática e repetição exaustiva das acusações de “ineficiência”. O país abriu mão de cerca de 40 empresas públicas entre 1990 e 2005. Dois setores se destacam: o de telecomunicações e o de energia elétrica. Os abusos constantes das grandes empresas de telecomunicação (que frequentemente lideram os índices de reclamações dos clientes) e o atual risco de um “apagão” dizem o suficiente sobre como o setor privado é “eficiente”. Quem desejar um melhor retrato disso pode asssistir ao documentário “Privatizações: a distopia do capital”, disponível na Libreflix.
Ainda que as empresas estatais sejam muito difamadas na internet, a classe trabalhadora não pode se confundir. Como bem notaram os(as) trabalhadores(as) dos Correios, Bolsonaro pressiona pela agenda de privatizações exatamente nos momentos de mais aguda fragilidade de seu próprio governo. As pressões do “corrupto–cagão–genocida” e de seu igualmente podre Ministério da Economia vêm com a conversa fiada de um “plano” de “desestatização”.
Isso é profundamente ideológico. O uso do termo “desestatização” faz parecer que o “natural” é as empresas serem privadas. Nessa torpe visão, portanto, o Brasil, anômalo, precisa “desestatizar” suas empresas, que supostamente teriam passado por um processo de estatização. Nada mais longe da realidade de um país com uma elite gananciosa que vive de parasitar os trabalhadores e que sempre precisou do Estado como fiador de seu enriquecimento. Não se trata, pois, de desestatizar. Milton Santos, já em 2000, nos explicava a lorota dos liberais:
“Fala-se (…), com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é o seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil.”
— Por uma outra globalização. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Record. 2001. p. 19.
Na atual conjuntura, o neoliberalismo de “Estado máximo” para banqueiros, megaempresários e amigos do “corrupto–cagão–genocida” tem se tornado cada vez mais intenso e despudorado. Não serão as instâncias legislativas que barrarão o avanço da venda do nosso patrimônio a preço de banana. Tampouco o Poder Judiciário se apresenta como defensor das conquistas dos trabalhadores. É a pressão popular que tem o potencial de intimidar esse governo que joga contra o povo com a estratégia de terra arrasada.
No que se refere ao combate aos intentos privatistas, é preciso levantar a pauta da oposição às privatizações nas grandes manifestações que querem a destituição de Jair, o pior presidente da história do Brasil. Não basta tirar do poder esse embusteiro. É preciso que a sua “missão” de destruir o país falhe. E isso não ocorrerá pela incompetência dele, mas pela nossa luta.
Todo o apoio aos trabalhadores dos Correios na luta por melhores condições e pela defesa do patrimônio da classe trabalhadora!
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