Sobre a sanha de privatizar os Correios (parte 1/2)

Tem dias que os Correios são bons, mas tem dias que eles são ótimos!

Você certamente já ouviu reclamações sobre empresas estatais prestadoras de serviços. Banalizou-se na Web um discurso que faz reclamações mais direcionadas aos Correios. Mas será que elas deveriam estar na pauta de ações do Estado? O que elas significam? Neste mês e no próximo, o corrupto governo de Bolsonaro, com seus cupinchas na Câmara dos Deputados, pretende colocar em votação a privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios – ECT). A sanha de privatizar se reveste de uma suposta urgência para “se livrar” do patrimônio público: “a desestatização da ECT é urgente e deve ser priorizada”(sic) – diz Gil Cutrim, do partido Republicanos, em entrevista nada republicana ao UOL.

Sucateamento, contradições e interesses

Operando sob o atual nome desde 1969, a estatal tem mais de 80 mil funcionários e é o maior serviço de logística do país, de sorte que é estimada em até 5 bilhões de reais, ainda que tenha uma receita de 18 bilhões. Ao contrário do que querem fazer parecer, trata-se de uma empresa pública lucrativa: em 2020,  a empresa teve lucro de 1,5 bilhão. Foi o melhor resultado nos últimos 10 anos. O governo atribui isso a uma modernização da empresa, que passou por mudanças como a implementação de sistemas digitais, criação de soluções para comércio eletrônico e continuidade na prestação de serviços durante a pandemia. Mas nem mesmo o próprio governo esconde que um dos principais fatores que fazem parte do “empenho da gestão” foi a “redução de despesas com pessoal”.

Em outras palavras, estamos diante de um contexto de manifesto sucateamento, seguindo o padrão do esquema de privatizações: difamar e destruir a empresa para depois ter argumentos para vendê-la. Durante a estranha gestão do novo “generalíssimo” Floriano Peixoto, apesar do lucro, a empresa relata com ares de positividade os resultados do Programa de Demissão Incentivada, criado em 2016. Não por acaso, a estratégia de sucateamento, mais longeva, caminhou de mãos dadas com o golpe de Estado aplicado naquele ano: dos cerca de 8 mil funcionários demitidos pelo programa, mais de 6 mil foram desligados em 2017, seguindo o ritmo ultraneoliberal do governo Temer. Com uma população que cresce e demandas que aumentam, qual o sentido de reduzir a quantidade de trabalhadores dos Correios?

Vale notar também que esses trabalhadores(as), empregados(as) públicos(as), foram e continuam sendo afetados(as) por todas as medidas de precarização do trabalho e das condições de vida adotadas nos últimos anos. Isso inclui a reforma trabalhista e a reforma da previdência, por exemplo. Os(As) trabalhadores(as) se queixam da falta de equipamentos de qualidade e da aceleradíssima redução no quadro de funcionários. Além disso, vale perguntar: como podem os(as) trabalhadores(as) dos correios serem essenciais para continuar trabalhando durante a pandemia, mas não para serem vacinados(as)?

As contradições não param: como pode a empresa ter seus serviços considerados essenciais e, ao mesmo tempo, o governo querer se desfazer dela? Ocorre que a estrutura capilarizada dos Correios interessa a muitos oportunistas ligados a outras empresas de serviços postais. Só essa empresa – estatal, construída durante séculos – está presente nos 5570 municípios do Brasil. Tal presença interessa a empresas estrangeiras há tempos (como a FedEx e a DHL), mas também chama a atenção de burgueses que controlam a Amazon e o Magazine Luiza, por exemplo. Na prática, os críticos do (não tão abrangente quanto dizem) monopólio (público) dos Correios apoiam a formação de um oligopólio privado de logística e serviços postais.

Um dos principais problemas nisso é que a alta burguesia das grandes corporações não tem interesse em usar a lucratividade das operações em grandes centros urbanos para ofertar serviços para lugares isolados. Os Correios fazem subsídio cruzado para poder atender localidades de um Brasil esquecido. Na forma “moderna” de gerir empresas públicas, o “lado social” da atuação delas tende a ser deixado de lado. Evidencia isso o fato de que, nos discursos dos privatistas, os Correios são reduzidos a uma corporação entregadora de encomendas para pessoas comuns, quando, na verdade, a estatal também é responsável, por exemplo, pela entrega de medicamentos para unidades do SUS, livros didáticos, provas do ENEM, telecomunicações, serviços bancários etc.

Entretanto, há mais uma observação curiosa a se fazer. É que em nenhuma república dita democrática o Estado abriria mão de uma empresa com a estrutura que tem os Correios. Ao menos, não com tanta vontade de “entregar” aos interesse privados. Tanto é que a maior prova do absurdo da ideia de privatizar os Correios pode ser obtida olhando um pouco para o exterior do país.

A própria Amazon, diante da tramitação de um projeto para a reforma do Serviço Postal estatal dos Estados Unidos (United States Postal Service – USPS), reconheceu e exaltou a empresa pública estadunidense por ser confiável e ter preços acessíveis. Mais: a megacorporação monopolista explicitou claramente considerar o serviço público um parceiro essencial. Até a ladainha empreendedorista da história de Jeff Bezos empacotando coisas em sua garagem e levando a uma agência do USPS foi usada na nota oficial para dizer o óbvio: nem mesmo a existência da empresa seria possível sem os serviços estatais. Eis que, buscando assegurar seus próprios interesses nos EUA, a Amazon produz uma evidência de que os defensores da privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ou estão errados ou são mal-intencionados.

Charge extraída do site “Correios – você sabia?”

Em uma economia em franco processo de informatização, o financiamento, a energia e o transporte de mercadorias são fundamentais para todo o sistema. Não por acaso, o governo Bolsonaro quer privatizar a Caixa, privatizou a Eletrobras e, agora, fala todos os dias em privatizar os Correios. Obviamente, como a tendência é de precarizar o trabalho em nome da ideologia do “empreendedorismo”, a classe trabalhadora irá se deparar com dificuldades tremendas. Isso porque, sem empresas públicas de financiamento, transporte de mercadorias e energia, os precarizados terão que pagar relativamente bem mais caro por esses serviços do que os já enriquecidos.

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