Em 29 de dezembro do ano passado, a África do Sul apresentou na Corte Internacional de Justiça (CIJ), sediada em Haia, na Holanda, uma acusação contra o Estado de Israel por genocídio. A acusação argumenta que as incursões militares realizadas em Gaza, com o pretexto de se “defender” do Hamas após os ataques de 08 de outubro, visam, segundo o Opera Mundi, “destruir os palestinos de Gaza como parte do grupo nacional, racial e étnico mais amplo dos palestinos”.
Os exemplos mais evidentes de tais intenções seriam o ataque indiscriminado a alvos civis, dos quais as maiores vítimas são mulheres, crianças e idosos, os deslocamentos forçados de todo um contingente populacional, o corte de energia, a interrupção do fornecimento de água potável, o impedimento da circulação de bens alimentícios básicos e, por fim, a não aceitação da abertura de um corredor humanitário.
A conduta de Israel estaria, portanto, em flagrante desacordo com os princípios instituídos pela CIJ, da qual o país é signatário, no que se refere à Convenção do Crime de Genocídio (1951). Aliás, cabe lembrar que tal Corte surgiu em 1945 justamente para julgar o projeto genocida encampado pelo governo nazista na Alemanha e países anexados que tinha como alvo comunistas, homossexuais, prostitutas, ciganos, pessoas com deficiência física ou intelectual e, particularmente, os judeus. Terrível paradoxo, não é mesmo?
Um dia após a acusação formal na CIJ (11/01), o Brasil se alinhou com a África do Sul, endossando suas acusações de genocídio. No comunicado, justificou-se que:
“À luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente [Lula] manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio”.
Pouco mais de uma semana depois da tomada de posição do governo brasileiro, um grupo de figuras públicas, dentre as quais se destacam muitos empresários do lobby sionista, organizou um abaixo-assinado pedindo para que Lula retirasse seu apoio à África do Sul. Segue um trecho:
“Genocídio, por definição, implica a intenção de exterminar pessoas com base em nacionalidade, raça, religião ou etnia. Não acreditamos que seja sua visão ou a percepção geral dos brasileiros que Israel tenha tal objetivo. Pelo contrário, reconhecemos que o conflito teve início com um ataque terrorista do Hamas, que declaradamente busca a eliminação de Israel e de seu povo”.
Instrumentalizando o antissemitismo de conveniência, o documento joga com a cartada da autodefesa. De acordo com ela, o ataque à Faixa de Gaza seria uma reação ao ataque perpetrado pelo Hamas em 08 de outubro, no qual morreram ou foram feitos de reféns vários militares e (lamentavelmente) civis. Na visão de seus signatários, tais alvos foram escolhidos pelo simples fato de serem judeus e não por serem parte de um povo colonizador, que, desde 1948, se vale da invasão territorial, segregação racial, violência militar e extermínio físico para manter a população palestina sob seu jugo.
Para além de atrizes, magistrados e cientistas, um número considerável de empresários e/ou gestores de empresas somaram seus nomes a esse manifesto que visa dissuadir o presidente da República a engrossar o coro que decidiu, finalmente, elevar o tom contra o Estado israelense. Dentre esses nomes, constam os de:
- Luiza Trajano, presidente do conselho de administração da Magazine Luiza
- Artur Grynbaum, vice-presidente do conselho do Grupo Boticário
- Fabio Coelho, presidente do Google Brasil
- Sergio Zimerman, CEO da rede Petz
- Walter Schalka, presidente da Suzano
- Fábio Colletti Barbosa, CEO da Natura
O fato de essa petição contar com um número tão elevado de nomes do empresariado não constitui um dado aleatório. Muito pelo contrário, ele revela com uma clareza que quase chega a cegar como opera o lobby sionista, que se vale de seus inúmeros recursos, materiais e simbólicos, para mentir, constranger, assediar e desestabilizar qualquer tentativa de solidariedade para com o povo palestino em um momento particularmente sensível de sua já tão sofrida história.
Se é por essa via que o sionismo se mantém de pé, é por essa via que ele também pode ser derrubado. Daí a importância de iniciativas como a do Movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que estimula, entre outras coisas, a não compra e o não consumo de mercadorias produzidas por empresas que apoiam, aberta ou veladamente, a política genocida do Estado de Israel.
No dia em que as linhas finais deste artigo eram escritas, (26/01), a CIJ acatava a denúncia sul-africana sobre a plausibilidade das intenções genocidas de Israel em Gaza. Ainda que seja uma vitória pequena frente ao sofrimento palestino, ela nos ensina que a ação solidária dos povos é o único meio para pressionar as instituições do direito (que se diz) democrático para conseguir sua libertação.