O texto a seguir é um posfácio escrito por Thiago Lemos Silva e Ivannna Margarucci para o livro Fascismo: definição e história, de Luce Fabbri, lançado em 2019, pelas editoras Tenda de Livros, microutopías e Publication Studio São Paulo. A obra integral pode ser baixada aqui
Por Thiago Lemos Silva e Ivannna Margarucci
Por que ler Luce Fabbri hoje no Cone Sul? Podemos acreditar, junto com ela, que estamos frente a uma conjuntura de re-emergência do fascismo? Se considerarmos só alguns dos casos mais emblemáticos, como o Brasil e talvez a Argentina – a lista não se esgota com essas duas realidades –, aparecem mais perguntas. É um processo em potência, ainda não concretizado? Ou já estamos frente a uma realidade sólida e materializada?
Seja como for, o alarme de incêndio já foi acionado, pois estamos nos referindo a “tendências fascistizantes” presentes e latentes, ditas e não ditas, que nos consomem em graus diferentes aqui no Cone Sul, onde o conservadorismo e o liberalismo alimentaram uma trajetória tristemente compartilhada. Isso não deixa de ser inquietante, pois as pequenas faíscas estão apenas a um passo de distância de se transformarem em uma explosão de chamas, que com a sua voracidade podem pôr fim a tudo e a todos.
Uma das principais contribuições da obra que se tem em mãos é propor uma definição do fascismo inseparável da história e que, ao mesmo tempo, nos permite pensar sobre as nossas próprias realidades, que, vividas na intensidade do cotidiano, dificilmente são problematizadas. Nesse sentido, este posfácio é um convite para imaginar coletivamente algumas linhas teórico-práticas que anseiam criar a resistência antifascista no “tempo-de-agora” – referindo-nos à brilhante expressão de Walter Benjamin –, que re-articule o passado que nos inspira, o presente que nos situa e o futuro que nos impulsiona. Sem esse horizonte, que começa no pensamento mas necessariamente se torna luta, o antifascismo – como qualquer outra teoria social, incluído o anarquismo de Luce – se transforma num sem sentido. Propomos alguns disparadores que podem contribuir para pensar a tarefa que temos pela frente.
Compreender que o combate ao fascismo deve ser menos reativo e mais ativo. Quer dizer, a negação dos princípios que definem o fascismo contra o qual lutamos – a desigualdade, a submissão, a irracionalidade e o ódio contra as minorias – não deve ser um fim em si mesma, mas uma afirmação dos nossos princípios – a igualdade, a autonomia, a reflexão e o respeito às diferenças.
É preciso interseccionar as lutas de classe, étnica-racial, gênero e orientação sexual para visibilizar, para além da dimensão capitalista, os posicionamentos racistas, misóginos e LGBTfóbicos que o fascismo contemporâneo assume, tentando compreender como isso afeta de formas diferentes os grupos que são o alvo desses ataques. Nessa direção, aparecem alguns elementos adicionais para materializar de um modo prático aquela interseccionalidade:
Conectar a agenda antifascista com as agendas de outros movimentos sociais (operários, negros e indígenas, feministas e LGBT), permitindo que o combate ao fascismo penetre em todos os segmentos da sociedade e ganhe a força necessária para defender e atacar.
Lutar pela preservação dos direitos conquistados pelos grupos subalternos, atualmente sob ataque das tendências conservadoras. Acreditamos que essa luta não pode ser somente defensiva, mas também ofensiva, orientada a materializar e expandir esses direitos.
Construir organizações de combate antifascista desde as bases, que se levantem desde baixo para cima nos locais de trabalho, sindicatos, escolas, associações locais e outras organizações, politizando a vida cotidiana das pessoas comuns e permitindo-lhes se envolverem de forma autônoma na luta.
Combater no mesmo campo que hoje o fascismo ocupa e busca hegemonizar: a educação e os meios de comunicação. Defender esses espaços, apropriar-nos deles de forma crítica e criativa, e desse jeito poder pensar, inventar e divulgar a propaganda antifascista. Lutar contra suas características automáticas que levam à adesão acrítica e irreflexiva, tão bem instrumentalizadas pelo fascismo contemporâneo. Estimular e promover sempre o exame crítico contra a ignorância, na qual o poder pretende nos afogar.
Voltamos para a pergunta inicial. Então, qual é o sentido de ler esta obra hoje, várias décadas após sua publicação original? Ter a capacidade de observar as tramas e efeitos do poder de um fenômeno ainda em desenvolvimento, inacabado, que a própria contemporaneidade dos fatos encobre. Atuar consequentemente, com passos firmes. Sufocar essas tendências que, como as chamas de um incêndio voraz alimentado pelo ódio, crescem diariamente, tornam-se mais fortes e se agigantam. Conseguir apagá-las e, das cinzas que sobrem, construir algo novo: uma sociedade em que o poder, a hierarquia e o privilégio deixem de ser uma ameaça à nossa própria existência.