A mulher no caminho da revolução III

Frente à guerra e frente ao fascio II

Este texto é o terceiro de uma série de três, que foi publicado por Lucía Sánchez Saornil no diário confederal CNT, de Madrid, em 12 de setembro de 1934, sob o pseudônimo de La Compañera X. Nele, a anarquista avança na discussão sobre o papel da mulher no processo revolucionário, chamando a atenção sobre a procedência patriarcal do Estado, que emerge historicamente como o maior estimulador das guerras. A tradução do espanhol para o português é de Thiago Lemos e foi originalmente publicada no site da Redemoinho traduções.

Por Lucía Sánchez Saornil

 O limitadíssimo espaço do qual dispomos nos obriga a subdividir os temas, tratando em artigos sucessivos o que desejaríamos dizer de uma só vez. Isto tem seus prós e contras. Tem seus prós, na medida em que desta maneira podemos nos estender ilimitadamente, enfocando nossos pontos de vista com maior amplitude, e tem seus contras, na medida em que é difícil para nossas leitoras – quase todas apanhadas no campo proletário – manter a atenção de artigo a artigo e depois relacioná-los entre si. Mas, que remédio!? Precisamos nos conformar com o que é possível.

É lógico que se afirmamos tão plenamente que as guerras são provocadas e mantidas pelo Estado, procuramos demonstrá-lo, ainda que as custas de repetir conceitos já vertidos nestas colunas: mas, sem apartar de nós a ideia de que nesta ocasião escrevemos expressamente  às mulheres, com um propósito de iniciação nas questões sociais.

Foram feitos muitos estudos e conjecturas sobre a origem das classes sem que se tenha conseguido definir de uma maneira rigorosa qual seria esta. Nós aceitamos, a princípio, como o mais verosímil, que a divisão da coletividade em classes teve sua razão de ser numa necessidade do próprio desenvolvimento da humanidade; mas seja como for, o certo é que, estabelecidas as classes, uma emergiu enquanto dominante, e para sustentar e garantir este domínio, teve a necessidade de criar uma série de instituições que assentaram as bases de seu falso direito.

O conjunto destas instituições aperfeiçoadas é o Estado moderno. Daqui, deduzimos portanto, que o Estado é a soma de instituições de que uma classe se serve para subjugar e dominar a  outra. As mais importantes destas instituições são as Escolas – fundida com a Religião -, a  justiça e o Exército.

A Escola, que forma, ou melhor, deforma os indivíduos ao capricho e à conveniência da  classe dominante, não iniciando-lhes no conhecimento racional dos princípios biológicos, ou leis básicas da natureza, mas sim inculcando-lhes uma série de conceitos e interpretações a priori das coisas.

 A justiça, que classifica os atos dos homens em bons ou maus, segundo o favor ou o dano que deles se deduz para a classe dominante, e o Exército, que com a razão da força garante e sanciona o exercício do direito usurpado.

 Entre os conceitos inculcados pela Escola, que de uma maneira mais perniciosa e mais permanente influenciam no desenvolvimento intelectual e psíquico do indivíduo, está o conceito de pátria.

O conceito de pátria vai intimamente ligado ao de propriedade, até se fundir com ele.

Defender a pátria é defender a propriedade. Já nas primeiras guerras, nos tempos mais remotos, não se reconhecia outra origem para a guerra que não fosse a luta das tribos pelo apossamento das terras mais férteis.

 Por esse motivo é que, mais de uma vez, se chamou os deserdados como pessoas sem pátria. Pátria é um conceito nitidamente e tipicamente burguês. A pátria é, praticamente, os negócios, os interesses, as ambições da classe privilegiada; e não nos esqueçamos que a suprema missão do Estado é organizar a defesa desses interesses, que em todos os casos, ainda naqueles que aparenta servir os interesses do povo como ocorre, por exemplo, com a legislação operária: sempre o que se busca é a defesa mais ou menos imediata dos interesses da burguesia.

 Uma guerra é sempre o choque dos interesses e ambições das classes privilegiadas de dois ou mais países – por detrás dos emblemas pátria, honra, etc… sempre há uns tantos nomes próprios escondidos—.No entanto: como estas lutas, estas ambições, estes interesses encontrados são o produto da competição ( guerra latente), e a competição é a pedra angular do atual sistema econômico, resulta que não poderemos acabar com a guerra sem derrocar o sistema econômico e portanto o Estado, que é sua forma de expressão, seu braço executivo.

Para que uma coisa deixe de ser é preciso matá-la; mas sem matar a larva não poderemos acabar nunca com a espécie. Assim, sem destruir o Estado não acabaremos jamais com a guerra. E é a partir deste ponto de vista que devemos organizar a luta. Com base em tal perspectiva, seguiremos falando.

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