Na semana em que se rememora o 13 de maio, o Patos à Esquerda publica o poema “O colono e o fazendeiro”, de Carolina Maria de Jesus. Denunciando a farsa do fim formal da escravidão no Brasil, a autora nos mostra como o regime pós-abolição criou dispositivos, formais e informais, para manter a população negra sob condições brutais de exploração e opressão. O poema foi originalmente publicado no jornal Folha da Manhã, em 25 de fevereiro de 1940 e posteriormente republicado em Antologia pessoal, em 1996, pela editora da UFRJ.
Por Carolina Maria de Jesus
Diz o brasileiro
Que acabou a escravidão
Mas o colono sua o ano inteiro
E nunca tem um tostão.
Se o colono está doente
É preciso trabalhar
Luta o pobre no sol quente
E nada tem para guardar.
Cinco da madrugada
Toca o fiscal a corneta
Despertando o camarada
Para ir à colheita.
Chega à roça. O sol nascer.
Cada um na sua linha
Suando e para comer
Só feijão com farinha.
Nunca pode melhorar
Esta negra situação
Carne não pode comprar
Pra não dever ao patrão.
Fazendeiro ao fim do mês
Dá um vale de cem mil-réis
Artigo que custa seis
Vende ao colono por dez.
Colono não tem futuro
E trabalha todo dia
O pobre não tem seguro
E nem aposentadoria.
Ele perde a mocidade
A vida inteira no mato
E não tem sociedade
Onde está o seu sindicato?
Ele passa o ano inteiro
Trabalhando, que grandeza!
Enriquece o fazendeiro
E termina na pobreza.
Se o fazendeiro falar:
Não fique na minha fazenda
Colono tem que mudar
Pois há quem o defenda.
Trabalha o ano inteiro
E no natal não tem abono
Percebi que o fazendeiro
Não dá valor ao colono.
O colono quer estudar
Admira a sapiência do patrão
Mas é um escravo, tem que estacionar
Não pode dar margem à vocação.
A vida do colono brasileiro
É pungente e deplorável
Trabalha de janeiro a janeiro
E vive sempre miserável.
O fazendeiro é rude como patrão
Conserva o colono preso no mato
É espoliado sem lei, sem proteção
E ele visa o lucro imediato.
O colono é obrigado a produzir
E trabalha diariamente
Quando o coitado sucumbir
É sepultado como indigente.