Em meados de janeiro, Hélber José Pinheiro (20 anos) foi covardemente agredido por dois policiais militares, na Avenida Afonso Queiroz, bairro Sebastião Amorim. Hélber, que é motoboy e pedreiro, tinha a intenção de deixar a moto no posto de gasolina, mas não imaginava se deparar com dois agentes da polícia e sair quase morto: “caguei e mijei nas calças de tanto apanhar”, chegou a dizer.
Segundo a versão do rapaz, os agentes queriam multá-lo injustamente e, ao não aceitar a multa, foi esmurrado e chutado pelos policiais – as agressões foram captadas por câmeras de segurança. Os golpes causaram em Hélber ferimentos por todo o corpo, “estou sentindo muitas dores, minha língua está toda machucada e estou tomando só caldo”, contou na época.
Hélber registrou a denúncia, que está sendo analisada pela Corregedoria da Polícia Militar. Desde então, nada foi falado pela mídia local, que deixou de acompanhar o caso. O ato de vir a público e denunciar a agressão sofrida pode ser interpretado como um grito de “basta!” a toda violência normalizada nesses tempos de bolsonarismo. Sim, pois o discurso “linha dura” não poupa ninguém, nem mesmo o trabalhador – o que também não justifica agressões contra alguém que cometeu delito.
Hoje em dia, nas abordagens policiais, é comum aceitar o tapa no ouvido, o dedo na cara, os chutes e os empurrões. Mesmo que naturalizado, isso é realmente permitido? Pois saiba que não. Primeiramente, o policial precisa ter um real motivo para abordar alguém e, ao fazê-lo, não pode agir com agressividade. Durante o “enquadro”, o indivíduo pode filmar a ação e o policial deve justificar o motivo da abordagem. O agente policial também não pode exigir a senha do celular, e o abordado pode optar pelo silêncio para não produzir provas contra si mesmo. Em caso de dúvidas, clique aqui.
Mesmo assim, o caso de Hélber está longe de ser o único. Infelizmente relatos como o dele não costumam ganhar repercussão. Robson Júnior (18 anos), jovem negro e morador da periferia de Patos de Minas, diz também sofrer abordagens constantemente. “Já fui abordado diversas vezes, e onde eu estava sozinho ou com amigos pretos, eles (os policiais) vieram já, com a arma em mãos, gritando ‘mão na cabeça seus vagabundos!’, ‘perdeu, perdeu!’”. Robson não possui antecedentes criminais e, quando parado pela polícia, sempre “pede calma porque não é bandido”.
O relato de Robson levanta outro elemento muito importante: o perfil das vítimas de letalidade policial. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, negros representaram 8 de cada 10 mortos pela polícia. Naquele ano, 6357 pessoas foram mortas em operações policiais no Brasil, a maioria (74%) jovens negros de 15 a 29 anos. “Conheço muitos amigos que sofreram violência da polícia e muitas vezes apenas por terem um ‘perfil de bandido’’’, confirma Robson – entende-se como perfil de bandido, quem é negro e pobre.
“Conheço muitos amigos que sofreram violência da polícia e muitas vezes apenas por terem um ‘perfil de bandido’’
Robson Júnior, 18 anos
Ultimamente, os discursos do “bandido bom é bandido morto”, do militarismo e do armamentismo têm reverberado cada vez mais na sociedade e têm seu maior defensor na figura do presidente. Bolsonaro também é defensor do excludente de ilicitude, ou seja, dar carta branca para a polícia praticar “abusos necessários”. Deste modo, a truculência policial aqui em Patos de Minas não pode ser encarada como um incidente aleatório. Está muito bem sintonizada com a ideologia do presidente, e por isso, esmurrar e chutar um motoboy, ou apontar a arma para um jovem negro, pode parecer apenas “mais um dia de trabalho”.
O discurso “linha dura” do bolsonarismo contrapõe o que muitos especialistas afirmam sobre combate à violência: é preciso instituir políticas de inteligência e resolver problemas estruturais, como desemprego e pobreza. Em Patos de Minas, por exemplo, o número de homicídios aumentou ao invés de diminuir: em 2019, 25 pessoas foram assassinadas na capital do milho – maior número nos últimos anos. Mesmo com a política de encarceramento – o presídio Sebastião Satiro se encontra atualmente superlotado – a violência não recuou.
Pode parecer exagero utilizar o termo encarceramento em massa, mas não é. Em fevereiro deste ano, um ciclista foi preso por tráfico de drogas por possuir apenas dois cigarros de maconha! Os policiais exibiram a apreensão com o orgulho de um trabalho bem feito. Portanto, quem esta política favorece? Ou melhor, quem esta política desfavorece? A resposta é certa: quem é preto e periférico.
Uma polícia altamente militarizada faz com que relatos, como o de Robson e Hélber, se repitam e depois sejam logo esquecidos. Combater o discurso militarista é também combater arbitrariedades da polícia.
Por Geison Neves