A seguir publicamos uma resenha escrita por Laura Fernández Cordero do livro Sou Aquela Mulher do Canto Esquerdo do Quadro, de Fernanda Grigolin, publicado pela Tenda de Livros, em 2020. O texto foi originalmente escrito em espanhol e publicado no Blog da Tenda. As pessoas que residem em Patos de Minas podem adquirir o livro na Livraria Ambulante Comuna de Patos. A tradução do espanhol para o português é de Thiago Lemos Silva.
Por Laura Fernández Cordero
Apenas um olhar cultivado na paixão feminista pode perceber que existe história nas margens dos quadros fotográficos e audiovisuais. Fernanda Grigolin escolheu uma mulher e o canto esquerdo para narrá-la. Desse modo, combate uma ausência persistente contra a qual nós, que praticamos alguma forma de historiografia, lutamos: a falta de informação, as lacunas nas histórias das mulheres em geral, e, neste caso, das anarquistas. Parafraseando a grande historiadora Joan Scott, sabemos que o problema não é a falta de informação sobre a participação da mulher no anarquismo, mas a ideia de que tal informação tinha pouco a ver com a “história do anarquismo”, o que levou a desconhecê-las ou apenas mencioná-las. A prova de que não eram invisíveis ou acessórias é trazida pelos trabalhos dos próprios historiadores e, claro, da historiografia feminista.
Mas, em Sou Aquela Mulher do Canto Esquerdo do Quadro existe outra maneira de fazer memória e história. Uma estratégia oblíqua, uma abordagem que explode os campos disciplinares e que convoca múltiplas linguagens: as da fotografia, da cinematografia, da ilustração, da poesia, da música. Consegue, assim, que uma mulher sem nome seja um entrelaçamento de mulheres e nos inclui como leitoras. Convida-nos à viagem, na voz de Tita Mundo ( e à vida de tantas outras), por meio de uma tímida mulher do canto esquerdo do quadro, que repõe vislumbres de biografias, indo de uma mão na boca à participação nas greves, de um pedaço de tela à exploração operária, da imagem de algumas crianças à estrutura patriarcal das famílias. Todos esses temas foram caros à agitação anarquista, em especial às mulheres do movimento.
Este pequeno livro é um objeto precioso, pensado desde o papel até à tipografia, desde a cor vermelha e preta até às imagens gastas que nos surpreendem entre as folhas, desde o voo alto até à instrução cotidiana de uma receita, desde a célebre greve até ao anonimato potente da multidão. Um artefato que dá vontade de ler em grupo e de compartilhar, como se fosse uma comida quente e uma taça cheia. Temos a sorte de que sua criadora – ela própria uma poliglota, nômade e arquivista – nos convoque de vez em quando a essas reuniões que são como festas, nas quais celebramos a produção de livros e nos encontramos, hoje, com as memórias vivas.