Por Altamir Fernandes
Quando se propaga que nenhum prefeito de Patos de Minas foi reeleito, é necessário um mergulho na história política do país e de nosso município para analisar a veracidade da afirmação. Se considerado o histórico de exercício das funções executivas no que hoje chamamos de Patos de Minas, a afirmação não se sustenta. A partir de tal constatação, torna-se viável refletir sobre o que seria o significado da continuidade da posse do poder político estatal no nível local.
As Câmaras Municipais e o poder local
Não é nossa pretensão fazer um estudo sobre a estrutura e as funções das Câmaras Municipais no período colonial, no Império brasileiro ou após a Proclamação da República, em 1889. Porém, não se pode emitir juízos sobre a história de Patos sem considerá-las. Cabe notar que as Câmaras Municipais foram estabelecidas desde o início da colonização, a partir das Ordenações Manuelinas (1521) e, posteriormente, com as Ordenações Filipinas (1603), que regulamentavam o funcionamento das instituições no Reino de Portugal e suas colônias. No Brasil, essas câmaras foram responsáveis por representar os interesses locais, cuidar da administração econômica e social das cidades e resolver conflitos.
Segundo o historiador José Eduardo de Oliveira et al., no livro Uma história de exercício da democracia – 140 anos do Legislativo Patense, publicado em 2006:
“As câmaras no período colonial eram formadas através de processo eleitoral, de que participavam, como eleitores e candidatos aos cargos, apenas os ‘homens bons’ da localidade” (p. 54).
Conclui-se, então, que os membros eleitos da Câmara eram geralmente provenientes das elites locais, sendo majoritariamente grandes proprietários de terras e de escravizados. Esse sistema excluía grande parte da população brasileira, principalmente mulheres, indígenas, escravizados e aqueles sem propriedades.
A Constituição de 1824, a primeira do Brasil, outorgada por Dom Pedro I, concedeu às câmaras municipais um papel central na administração local, ampliando sua autonomia. Durante o Império, as câmaras passaram a ter a responsabilidade de cuidar dos interesses das cidades e vilas, exercendo funções administrativas, fiscais e até judiciais. Essa autonomia era reflexo do modelo descentralizador proposto pela Carta de 1824, que, em contraste com o controle mais rígido da Coroa durante o período colonial, permitiu às câmaras maior liberdade para gerir questões como obras públicas, segurança local e a administração da justiça em pequenas disputas. Assim, as câmaras municipais ganharam a atribuição de eleger os juízes de paz, figuras importantes na resolução de conflitos cotidianos, o que reforçava a autonomia local.
Certamente, toda essa autonomia era um atributo de pequena parcela da população, a elite local, visto que o direito ao voto era censitário, portanto limitado. Isso deu às referidas elites o controle sobre as decisões nas Câmaras, garantindo a representação dos interesses dessas camadas sociais. Assim, a Constituição de 1824, ao descentralizar o poder e transferir para as câmaras uma gama significativa de funções, contribuiu para o fortalecimento da autonomia municipal, ao mesmo tempo que preservava a unidade política do Império sob a figura do monarca.
Outra característica da Carta de 1824 foi o que bem enfatiza o professor José Eduardo: “os eleitores agora não seriam mais somente os ‘homens bons’, mas todos que tivessem uma renda superior a cem mil réis e não fossem menores de 25 anos nem criados de servir (e escravos…) e nem fossem mulheres” (p. 68).
Funções executivas e legislativas
Após essa contextualização, interessa-nos refletir, ainda que brevemente, sobre a existência ou não de prefeitos reeleitos na história administrativa de Patos de Minas. A Lei mineira de nº 1.291, de 30 de outubro de 1866, elevou à categoria de Vila a Freguesia de Santo Antônio dos Patos, com a mesma denominação, desmembrando-se do Município de Nossa Senhora do Patrocínio. Segundo o historiador José Eduardo de Oliveira, “foi através deste ato administrativo tão pleiteado e ansiado pelos habitantes da freguesia é que teve início a verdadeira e irreversível emancipação municipal da futura cidade de Patos de Minas” (p. 67).
Assim, foram convocadas eleições em 6 de setembro de 1867 e realizadas em 8 de setembro de 1867. A apuração foi feita em Patrocínio, em 29 de janeiro de 1868. De acordo com a legislação pertinente, as Câmaras municipais seriam assim compostas, nos termos do artigo 168 da Constituição de 1824: “As Câmaras serão eletivas e compostas do número de vereadores, que a Lei designar, e o que obtiver maior número de votos, será Presidente”. Note-se que a Lei de 1/10/1828, decretada por D. Pedro I, ao regulamentar o citado artigo 168, deu nova forma às Câmaras Municipais, marcando suas atribuições e o processo para a sua eleição e dos Juízes de Paz. O artigo 1º dessa Lei complementar estabelecia que as Câmaras Municipais das Vilas seriam compostas de sete vereadores.
A saber, a Lei de 1/10/1828 definiu as atribuições das Câmaras Municipais, ou seja, as “funções municipais”, conforme o art. 24: “As Câmaras são corporações meramente administrativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”. De acordo com o disposto no Art. 71:
“As Câmaras deliberarão em geral sobre os meios de promover e manter a tranquilidade, segurança, saúde e comodidade dos habitantes; o asseio, segurança, elegância, e regularidade externa dos edifícios, e ruas das povoações, e sobre estes objetos formarão as suas posturas, que serão publicadas por editais, antes e depois de confirmadas”.
Ou seja, a Câmara Municipal era a responsável pela administração local, e não havia a figura de um chefe do Poder Executivo municipal distinto, como atualmente há o prefeito. O poder executivo municipal era exercido pelo vereador mais votado nas eleições, que se tornava o Presidente da Câmara e exercia o cargo de Agente Executivo, executando as funções administrativas. Para José Eduardo de Oliveira, “Apesar dos seus laconismos, os artigos da Constituição concernentes às Câmaras já definiam suas verdadeiras e futuras atribuições. As competências delas agora seriam o “governo econômico municipal” e a “formação de suas posturas policiais” (p. 68). Ainda segundo Oliveira (p. 69), a “A Lei de 1/10/1828 chamada Regimento das Câmaras Municipais do Império, foi lei orgânica dos municípios durante todo o Império até 1891”.
O Ato Adicional de 1834 (uma emenda à Constituição de 1824) deu mais autonomia às províncias e municípios, fortalecendo o papel das Câmaras Municipais como órgãos de governo local. Antes do Ato Adicional, elas já desempenhavam funções legislativas e executivas, mas, após 1834, essas funções foram mais formalmente organizadas. O vereador mais votado, chamado de “Presidente da Câmara”, era responsável também pela administração local, o que o tornava o “Agente Executivo” de fato.
Reeleitos ao longo da história
No que concerne ao Distrito de Santo Antônio dos Patos, o mais votado nas eleições de vereadores de 1867 foi o Major Jerônimo Dias Maciel, com 277 votos, filiado ao Partido Liberal, seguido do Cel. Antônio Correa da Silva (265 votos; avô da esposa do Major Jerônimo), José Pereira Guimarães (265 votos), Manoel José da Mota (261 votos), Antônio José Coelho (235 votos), Cap. José Alves Pinto (232 votos) e padre Cândido da Rocha Camacho (208 votos).
A instalação da Câmara e, consequentemente, da Vila de Santo Antônio dos Patos ocorreu no dia 29 de fevereiro de 1868. Major Jerônimo Dias Maciel, por ter sido o vereador mais votado, nos termos do art. 168 da Constituição de 1824, assumiu a presidência da primeira Câmara Municipal da Vila de Santo Antônio dos Patos e também a Chefia do Poder executivo (na época se chamava “Agente Executivo”) equivalente ao cargo atual de prefeito. Governou o Município de 29/2/1868 a 23/5/1870.
Em 1870, realizaram-se as eleições na Vila de Santo Antônio de Patos, sendo que o Major Jerônimo Maciel foi REELEITO, com 204 votos, sendo novamente o mais votado e por isso, exerceu o mandato de Presidente da Câmara e consequentemente, assumiu a chefia do Executivo Municipal, para o período de 23/5/1870 a 7/1/1873.
Posteriormente, Major Jerônimo Dias Maciel será eleito Agente Executivo de 3/1/1901 a 1/1/1905 e novamente REELEITO, para o período de 1/1/1905 a 4/1/1907, mas veio a falecer a 13/8/1906, quando exercia o cargo de chefe do Executivo municipal.
Em última análise, o Major Jerônimo Dias Maciel (3/2/1831 a 13/8/1906) foi REELEITO duas vezes para o cargo de Agente Executivo, que equivale ao atual cargo de Prefeito.
Olegário Dias Maciel, sobrinho de Major Jerônimo Maciel, exerceu o cargo de Presidente da Câmara Municipal e de Agente Executivo de Patos, no período de 7/1/1883 a 7/1/1887; posteriormente, Olegário será eleito Agente Executivo, no período de 4/1/1907 a 4/1/1908 e será REELEITO chefe do Executivo Municipal, no período de 4/1/1908 a 3/6/1912.
Com a Proclamação da República, em 1889, o papel das Câmaras Municipais mudou de acordo com a nova ordem política. O novo regime republicano, estabelecido pela Constituição de 1891, descentralizou o poder, transferindo mais autonomia para os estados e municípios. As Câmaras passaram a ter maior liberdade para legislar sobre temas locais, como infraestrutura urbana e educação, mas sua atuação ainda refletia os interesses das elites locais.
Durante a Primeira República (1889-1930), o poder das Câmaras foi muitas vezes monopolizado pelas oligarquias regionais, como parte de um sistema conhecido como “política dos governadores”. Neste período, muitos municípios eram controlados por coronéis e chefes políticos locais que exerciam grande influência nas decisões das câmaras.
Dr. Marcolino Ferreira de Barros foi eleito pela primeira vez como Agente Executivo de Patos para o mandato de 4/6/1912 a 31/12/1915. O advogado baiano, casado com Julieta Maciel de Barros (irmã de Olegário Maciel), foi REELEITO Agente Executivo para o período de 1/1/1916 a 31/12/1918. Entretanto, no final do ano de 1916, não quis dar continuidade ao mandato, repassando-o ao vice-presidente da Câmara, Dr. Adélio Dias Maciel (tio-avô dos ex-prefeitos Elmiro e Béia), que foi o Agente Executivo até 1918. Dr. Marcolino, em 1923, foi eleito deputado federal pela Bahia e ainda seria novamente eleito para a chefia do Executivo municipal de Patos no período de 17/5/1927 a outubro de 1930.
Dr. Adélio Dias Maciel (filho do Cel. Farnese Maciel e de Adelaide Caixeta Maciel), que era vice-presidente da Câmara Municipal, assumiu como Agente Executivo ainda no ano de 1916 e foi REELEITO como chefe do Executivo municipal para o período de 1/1/1919 a 1921. Seria, novamente, reeleito, como Agente Executivo, para o período de 1922 a 1926 (as atas desse período, surpreendentemente, “sumiram” dos arquivos do legislativo patense).
Portanto, os seguintes chefes do poder Executivo patense, como Agentes Executivos, foram reeleitos:
Quadro de reeleições
Nome | Períodos |
Jerônimo Dias Maciel | 29/2/1868 a 23/5/1870; 23/5/1870 a 7/1/1873; 3/1/1901 a 1/1/1905; 1/1/1905 a 13/8/1906 |
Olegário Dias Maciel | 7/1/1883 a 7/1/1887; 4/1/1907 a 4/1/1908; 4/1/1908 a 3/6/1912 |
Marcolino Ferreira de Barros | 4/6/1912 a 31/12/1915; 1/1/1916 (renunciou no no primeiro ano de mandato); |
Adélio Dias Maciel | 1916 a 31/12/1918 (em complementação ao mandato de Marcolino de Barros); 1/1/1919 a 1921; 1922 a 1926 |
Portanto, fica patente que o Major Jerônimo Dias Maciel foi reeleito Agente Executivo ainda no período imperial, bem como novamente reeleito nos primeiros anos da implantação da República. Já Olegário Maciel, foi reeleito Agente Executivo no período de 1907 a 1912. Dr. Marcolino de Barros também foi reeleito Agente Executivo, tendo administrado o Município de 1912 a 1916. Por fim, Dr. Adélio Maciel, foi reeleito duas vezes, estando à frente do Município, no período de 1916 a 1926, ou seja, dez anos.
Com o advento da Revolução de 1930 e a implantação do Governo Provisório, liderado por Getúlio Vargas, por meio do Decreto nº 19.398, de 11/11/1930, em seu artigo 2º, dizia: “É confirmada, para todos os efeitos, a dissolução do Congresso Nacional, das atuais Assembleias Legislativas dos Estados, Câmaras ou assembleias municipais e quaisquer outros órgãos legislativos, existentes nos Estados, nos municípios, no Distrito Federal e dissolvidos os que ainda o não tenham sido de fato”. Assim, as Câmaras Municipais foram extintas. O parágrafo 4º do mencionado Decreto, dizia: “O interventor federal de cada Estado nomeará um prefeito para cada município, que exercerá aí todas as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonerá-lo quando entenda conveniente, revogar ou modificar qualquer dos seus atos ou resoluções e dar-lhes instruções para o bom desempenho dos cargos respectivos e regularização e eficiência dos serviços municipais.”
Assim, pela primeira vez, pelo decreto do Governo Provisório, de 11/11/1930, aparece a nomenclatura “prefeito municipal” na legislação brasileira. O livro de Atas do Conselho Consultivo, que se encontra na sede da Câmara Municipal de Patos de Minas, tem a Ata da primeira reunião do Conselho Consultivo da Prefeitura Municipal de Patos, datada de 30/12/1930, que expressa: “Aos 30 de dezembro de mil novecentos e trinta, nesta Cidade de Patos, no salão nobre do Paço Municipal, às treze horas, presentes o farmacêutico Clarimundo José da Fonseca Sobrinho, Prefeito Municipal e os membros do Conselho Consultivo da Prefeitura Municipal de Patos, senhores Amadeu Dias Maciel, José Rangel, Pedro Francisco Guimarães e Huascar Correa da Costa, deixando de comparecer por motivo justificado o Major Augusto Barbosa Porto. O prefeito declarou que havia convocado a presente reunião para o fim de submeter à apreciação do Conselho o orçamento da despesa que elaborou…”
Assim, o Presidente da Câmara Municipal, que acumulara a função de Agente Executivo, foi substituído pelo prefeito municipal, indicado pelo Interventor estadual, que iria administrar o Município com um CONSELHO CONSULTIVO.
Em Patos, o prefeito nomeado pelo interventor do Estado e que exercerá o seu mandato de 30/12/1930 a 29/10/1945, de forma ininterrupta, foi o farmacêutico prático, Clarimundo José da Fonseca Sobrinho, o prefeito Camundinho, natural de Lagoa Formosa, ligado politicamente ao PRM – Partido Republicano Mineiro e à família Maciel de nossa cidade.
Algumas repetições e uma reflexão
Com o fim da ditadura do Estado Novo, em 29 de outubro de 1945, houve vários administradores nomeados pelo Interventor do Estado, no período de 1945 a dezembro de 1947, dentre eles, foi nomeado prefeito municipal, o advogado Dr. Jacques Correa da Costa, em 25/3/1947 a 26/12/1947; ele foi eleito prefeito de Patos nas eleições de 3/10/1950 e exerceu seu mandato de 31/1/1951 a 31/1/1955, pela UDN.
Vicente Pereira Guimarães – Vicente Mandu foi eleito prefeito de Patos de Minas em 23/11/1947 e administrou Patos de Minas no período de 27/12/1947 a 31/1/1951; foi eleito vice-prefeito e tomou posse em 31/1/1959; com a licença do prefeito Binga, que se candidatou a deputado estadual, Vicente Mandu exerceu o cargo de prefeito de Patos a partir de 23/7/1962 até outubro de 1962.
Vale ainda notar que, já após a redemocratização, Antônio do Valle Ramos exerceu o primeiro mandato como prefeito de Patos de Minas, de 1/1/1989 a 31/12/1992; posteriormente, foi eleito prefeito para o mandato de 1/1/2005 a 31/12/2008.
Com o processo de redemocratização do país em 1945, até o ano de 1997, não havia reeleição para cargos do Poder Executivo no Brasil. Durante esse período, os presidentes da República, governadores e prefeitos só podiam exercer um mandato e eram proibidos de se reeleger para o cargo consecutivamente.
A Emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997, introduziu o processo da reeleição no sistema eleitoral brasileiro. Essa emenda estabeleceu o direito de chefes do Poder Executivo disputarem a reeleição para a mesma função, para um único mandato, e no exercício do cargo.
A aprovação da Emenda Constitucional nº 16 ocorreu em meio a um contexto político controverso. Embora o governo de Fernando Henrique Cardoso argumentasse que a emenda fortaleceria a estabilidade política e permitiria a continuidade de projetos de governo, o processo foi marcado por acusações de compra de votos. Em 1997, durante a tramitação da emenda no Congresso, surgiram denúncias de que parlamentares teriam recebido dinheiro em troca de votos favoráveis à reeleição. As acusações envolviam deputados que afirmaram ter sido abordados com propostas de suborno para apoiar a emenda. Mesmo com as denúncias de compra de votos, o projeto foi aprovado.
Após a aprovação da Emenda Constitucional que criou a REELEIÇÃO no âmbito do Executivo, foram realizadas eleições para prefeito nos anos de 2000, 2004, 2008, 2012, 2016 e 2020. Fica assim patente, que nestas seis eleições, em Patos de Minas, apenas três prefeitos concorreram à REELEIÇÃO, nos anos de 2000, 2004 e 2012, e não obtiveram êxito.
Em última instância, com essas informações sobre os processos eleitorais de Patos de Minas, espero ter contribuído para elucidar dúvidas sobre os prefeitos que foram reeleitos em nossa cidade, no período anterior à redemocratização. Cabe ao (e)leitor, diante disso, refletir sobre o significado da reeleição considerando sua ocorrência anterior na cidade, que, ressalte-se, foi praticada pelos grupos oligárquicos, vulgarmente chamados de grupos dos “coronéis”.
Altamir Fernandes de Sousa é graduado em História e professor do Centro Universitário de Patos de Minas. Autor do livro Colégio Estadual: memórias de sua criação.
Muito bom artigo, precisamos estudar nossa história para podermos construir um bom futuro.
Como é bom ampliar nossa visão através da história pesquisada e bem contada. Obrigada, Altamir!