Contra a escala 6×1 em Patos de Minas

Roda de conversa realizada neste 15 de novembro

Trabalha!
Dando corda nessa estúpida engrenagem
Que espreme e esgota
A força que te põe de pé
Aniquilando o que é humano
O que é coragem
O que há de errado? O que será? O que que é?
Toda fachada esconde a mesma humilhação
Terra arrasada onde se arrasta a multidão

(recorte de “O drama da humana manada”, música da banda El Efecto)

Nesse feriado (15/11), na Praça do Coreto, em Patos de Minas, o Patos à Esquerda participou, juntamente a trabalhadores e representantes de partidos e movimentos político-culturais, de uma roda de conversa sobre a redução da jornada de trabalho. A iniciativa partiu das mobilizações nacionais pelo fim da escala 6×1 (seis dias de trabalho para um dia de descanso). O tempo chuvoso não impediu o debate, que conectou as lutas nacionais às situações locais, em busca de uma articulação organizada que coloque em rede os militantes e ativistas de esquerda na cidade.

A classe trabalhadora é contra a escala 6×1

Certamente, se você já trabalhou com carteira assinada, teve aquela sensação de que, ao chegar em casa, não queria mais nada além de descanso. Estudo, lazer, tempo com a família e os amigos, entretenimento, cultura – tudo isso fica de lado em nome de trabalhar. 

Trabalhar para quê? Para receber salário. Para quê? Conseguir sobreviver minimamente, dedicando a maior parte da vida a uma “estúpida engrenagem” que enriquece uma minoria. 

Essa engrenagem, o capitalismo, usa a riqueza produzida pelos trabalhadores para tornar nossa vida pior – através da transformação de tudo que era direito em mercadoria (serviços antes de obrigação estatal, na saúde, na educação, na segurança, na previdência e outras áreas transformados em serviços a serem pagos a parte pelos trabalhadores) e por meio da proibição sistemática de aproveitar o presente em nome de um futuro que já nos foi retirado (por medidas como a Reforma da Previdência, pela devastação ambiental e pela incerteza socioeconômica).

O mundo do trabalho, no Brasil, não faz mais sentido para os trabalhadores. Como foi discutido na roda de conversa, é cada vez mais comum estarmos com mau humor, esgotamento, estafa. Aguardamos ansiosamente fins de semana e feriados. Contamos os dias para as férias e olhamos antecipadamente o calendário do ano seguinte, na expectativa de que os feriados “caiam” em dias de semana — preferencialmente perto de fins de semana, para que tenhamos uma trégua um pouco maior. Trégua, pois trabalho e guerra compartilham algo: privação e obrigatoriedade.

Para alguns, dizer isso é preguiça. A realidade é que o trabalho mais parece um castigo, um tempo em que negamos quem nós somos em nome de produzir algo que pouco nos diz respeito. Produzir sem compreender o papel social da nossa atividade e sendo levados a ver no colega um competidor. Trabalho alienado, disse o velho Marx. 

Alienar-se, isto é, tornar-se [de] outro, estranho a si próprio, é uma experiência de dominação vivenciada pela imensa maioria dos trabalhadores brasileiros. Daí que a demanda pelo fim da escala 6×1 vai além das panelinhas da esquerda tradicionalmente politizada: alcança e politiza a classe como um todo.

Pressão popular: chave da mudança de rumos do governo

A emergência de uma pauta como essa é uma oportunidade única para mobilização, pressão e virada da correlação de forças. Isso porque a onda de discussões públicas gerada torna-se capaz de submeter o Congresso a um caminho ditado de fora dele – desta vez, sem ser o dos ricos. É a pressão popular organizada que faz até mesmo gente da extrema-direita defender a discussão e admitir que as reformas Trabalhista (do governo Temer) e da Previdência (governo Bolsonaro) foram para ferrar com o trabalhador, como fez (no mínimo, curiosamente) o senador Cleitinho, do PL. Diante disso, cabe ao governo Lula abraçar a demanda para ter o povo trabalhador ao seu lado.

Em resumo: a grande desculpa do governo para sua fraqueza e sua falta de propositividade é haver um Congresso de direita. A mobilização popular pelo fim da escala 6×1 mostrou que esse Congresso é mais frágil do que parecia. Caso queira vencê-lo, o governo terá que chamar o povo e ser o propositor de medidas populares, que tenham centralidade no trabalho – que é o que afeta a classe trabalhadora como um todo e pode fazer dela a guia do Congresso.

Em que pese a janela de oportunidade, o governo foi tímido e não soube aproveitar o momento até agora. Fernando Haddad (Ministro da Economia), cada vez mais escancaradamente de direita, disse não ter tido tempo para acompanhar o debate. Luiz Marinho (Ministro do Trabalho), por sua vez, jogou panos quentes inicialmente, defendendo que a proposta seja negociada diretamente entre empresas e trabalhadores, por meio de convenções e acordos coletivos. Uma postura estúpida para um Minstro do Trabalho, já que é óbvio que, com o atual cenário de enfraquecimento dos sindicatos, as convenções coletivas tendem a favorecer os patrões. Percebendo o erro, Marinho fez declarações mais claras no dia 14 de novembro em defesa do fim da escala, caracterizando-a como desumana. 

Lula, bizarramente, não teve posicionamento manifesto, o que certamente deveria envergonhar o Partido dos Trabalhadores, que, por inércia e conservadorismo, pode estar aplicando a si próprio um golpe fatal.

Circunstâncias locais

Em que pese o fim da 6×1 ser uma pauta nacional, é nítido que tem gritante impacto local. Frequentemente, notamos que os empregos em Patos de Minas são cada vez mais exaustivos e mal remunerados. Empresários locais, especialmente do setor de serviços, vivem dizendo que “não se acha gente que queira trabalhar”. O prefeito Falcão, com pensamento semelhante, vive se vangloriando da geração de empregos que não dão sustento nem futuro. Ocorre, porém, que eles não consideram que as condições, normalmente na escala 6×1, são insuportáveis por qualquer pessoa que queira trabalhar para viver em vez de viver para trabalhar.

Na roda de conversa, as experiências locais de exploração, abusos e falta de perspectiva no emprego foram compartilhadas. Também se ressaltou o fato de que muitos trabalhadores se encontram iludidos com discursos de empreendedorismo e de trabalho árduo, apostando no autossacrifício com uma esparança vã de ascensão social. 

Ressaltou-se, por conseguinte, a importância da sindicalização e da militância sindical, bem como em movimentos de classe, a fim de que a resistência às más condições de vida e trabalho, sendo coletiva e organizada, não fique apenas em justa rebeldia individual, podendo se converter em conquistas de direitos para todos. 

Outro aspecto discutido foi a necessidade de uma articulação entre os pequenos movimentos, partidos e coletivos de esquerda patenses, a fim de conseguir montar uma agenda de trabalho de base e de mobilizações. 

Em especial, foi identificada também a necessidade de descentralizar a visão sobre a cidade, que atualmente é moldada somente a partir do Centro. O governo Falcão se beneficia do ocultamento dos problemas urbanos patenses (falta de serviços públicos, deficiências de infraestrutura, enchentes, especulação imobiliária, insegurança, abandono dos espaços públicos), na medida em que vende a imagem de uma Patos que se reduz às “luzinhas” na Avenida Getúlio Vargas.

Espera-se que o encontro deste 15 de novembro impulsione outros atos e conecte as lutas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *