O “chá revelação” de Fernando Haddad, o ilusionista

Entre truques de ilusionismo político e promessas não cumpridas, o Ministro da Fazenda revela um projeto que não contempla os interesses dos trabalhadores

Há pouco mais de uma semana, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, concedeu uma entrevista ao podcast 3 Irmãos que considero bastante reveladora de sua filiação ideológica. Na verdade, esse “chá revelação” não é propriamente uma novidade, tampouco uma breaking news, daquelas que quebram expectativas da plateia. Haddad apenas disse com mais clareza o que já sabíamos — e o que a prática política brasileira já nos mostra há tempos. Ainda assim, vale a atenção: ele se mostrou à vontade para falar, sem muitos rodeios, sobre pautas econômicas e posições políticas que causam ruídos no campo progressista.

Depois de muito trololó de marketing pessoal e propaganda institucional do governo, Haddad finalmente respondeu às perguntas enviadas por convidados dos entrevistadores. Uma delas tratava da promessa de campanha de Lula, em 2022, de reverter privatizações — como a da Eletrobrás — e barrar novas concessões de empresas públicas. A resposta foi taxativa: “Sou o pai do projeto de Parcerias Público-Privada (PPP)”, disse ele, orgulhoso. Portanto, está longe de ser contra a entrega de serviços e organizações públicas a grupos privados. Pelo contrário, parece ter bastante orgulho desse “filho”.

Para defender seu rebento, citou o ProUni (oficialmente Programa Universidade Para Todos) que oferta bolsas de estudo, integrais e parciais, para estudantes selecionados que cursam graduação em faculdades particulares. “Você é contra?”, pergunta o entrevistado ao entrevistador. Obviamente, o ministro está fazendo um truque de ilusionismo. O que está escondido atrás do biombo e ele não pode mostrar é que, apesar do benefício de acesso ao ensino superior, o ProUni realizou uma volumosa transferência de recursos públicos para corporações e grupos empresariais do ramo da educação, fortalecendo magnatas e oligopólios que estão muito mais preocupados com o lucro do que com o aprendizado dos estudantes e menos ainda com as condições de trabalho oferecidas aos professores contratados. Não é à toa que, durante os governos em que ele foi o Ministro da Educação, ocorreu uma proliferação astronômica de cursos de graduação no formato EaD (Educação à Distância), cuja qualidade é bastante suspeita e cujas relações de trabalho são precarizadas.

Em relação às privatizações, Haddad disse que é contra somente em alguns setores. Não apontou exatamente quais. Somos levados a crer que ele seja favorável à privatização em geral, sem que tenha havido clara classificação do setor energético como uma das exceções, ainda que este setor seja apontado como “estratégico” por economistas que possuem uma mínima preocupação com justiça social. Enfatizou que este projeto (de privatizações e aberturas para o mercado) seria um sinal de modernização da política e apontou a China como exemplo. Em linhas gerais, o atual sucesso econômico do Estado Chinês, seria, na opinião do ministro, a abertura para os capitais a partir do Governo de Deng Xiaoping, no final dos anos 1970. Trata-se de uma leitura, no mínimo, liberal do processo e que Haddad parece reproduzir acriticamente. Deixando em suspenso todos os problemas e contradições da experiência chinesa, o ministro escondeu embaixo da cartola que a ascensão econômica da China não se resume a entregar empresas e serviços ao capital, nacional e estrangeiro, mas envolve planejamento estatal, soberania econômica e um projeto de nação.

Ao ser perguntado sobre o que pensa sobre a escala 6×1, o Ministro da Fazenda considera que realmente os trabalhadores precisam de mais tempo livre (ufa!) e que é a favor de uma redução da escala de trabalho ou da jornada diária. No entanto, como de costume, sempre tem uma cartinha na manga: defende que devemos aumentar a idade para a aposentadoria. Isso mesmo que você leu! Não bastasse o que o Governo Michel Temer propôs e o Governo Bolsonaro fez, aumentando a idade mínima para 65 anos de idade para homens e 62 anos de idade para mulheres. Infelizmente, o trabalhador brasileiro não é imortal, como parecem ser alguns seres diabólicos da política institucional. Haddad, o ministro galã, quer ir ao infinito e além. O argumento dele: em razão dos avanços da medicina e da tecnologia, estamos vivendo mais. E é como se ele ficasse triste com essa informação! Daí a artimanha é a seguinte: podemos trabalhar menos horas por dia ou menos dias por semana, mas vamos ter que trabalhar mais ao longo de uma vida. Não sei se alguém se iludiu com esse truque.

Por que o Governo Lula, a despeito de algumas promessas de campanha, de alguns discursos contundentes, da agitação de bandeirinhas vermelhas, da origem histórica do Partido dos Trabalhadores, de movimentos sociais que apoiam e integram o regime, não executa na prática um projeto de esquerda? Por que o Lula III é um governo mais à direita do que foram, inclusive, seus dois primeiros? São muitas as respostas e as desculpas. 

Uma das respostas (ou desculpas) costuma apontar para a frente amplíssima construída para vencer as eleições e que, inclusive, trouxe para a chapa presidencial um adversário histórico: Geraldo Alckmin. O ex-governador tucano havia migrado recentemente do PSDB para o PSB e foi escolhido como candidato a vice-presidente por sugestão do próprio Fernando Haddad. Outra é a alegada impossibilidade de aprovar medidas em um Congresso sequestrado pelo Centrão e pela extrema-direita. Tudo isso é verdade — mas não explica tudo.

Há um outro motivo que ficou evidente com a entrevista do Ministro da Fazenda: falta de vontade política! Toda a conjuntura política se torna uma desculpa perfeita para fazer o mínimo pelos trabalhadores e, ainda assim, ser visto como moderno, salvador e até mesmo revolucionário. 

E assim terminou o “chá revelação” de Haddad. É menino ou menina? Nenhum dos dois. É tucano.

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