Manifestações de rua ocorreram ontem (domingo, 21 de setembro) em diversas cidades do Brasil, principalmente nas capitais dos estados. Organizados por movimentos sociais ou não, os atos contaram com a presença significativa de trabalhadores, estudantes, sindicalistas, intelectuais, artistas, entre outros setores da população. Em alguns locais, milhares de pessoas ocuparam as ruas. Os protestos foram, sobretudo, uma reação à chamada “PEC da Blindagem” (ou “da Bandidagem”), oficialmente Projeto de Emenda à Constituição nº 3 de 2021, aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados na última semana.
O projeto é extremamente impopular, como já mostrava a esmagadora maioria de votos contrários no Portal E-Cidadania. Além disso, foi colocado em votação e aprovado às pressas “coincidentemente” poucos dias após o Supremo Tribunal Federal encerrar o julgamento que condenou o ex-presidente — e agora potencial presidiário — Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado e outros crimes*. Além de Bolsonaro, outros comparsas (conforme o entendimento do STF, houve formação de quadrilha) também foram condenados. Um deles é o general do Exército Walter de Souza Braga Netto, preso preventivamente desde dezembro de 2024 por tentar atrapalhar as investigações. Vale lembrar: Braga Netto foi ministro da Defesa e chefe da Casa Civil durante o governo Bolsonaro, além de candidato a vice-presidente na chapa de Jair Messias.
Diante da possibilidade de “ver o sol nascer quadrado”, políticos do legislativo que apoiaram, direta ou indiretamente, a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, articularam às pressas uma defesa corporativista. A proposta segue agora para o Senado, onde encontrará dificuldades. Entre os pontos de destaque, deve-se notar a mudança proposta para o parágrafo 2º do artigo 53 da Constituição, que, caso o texto seja aprovado, dirá o seguinte:
(…) os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa.
O texto da “PEC da Blindagem” amplia a já extensa margem de impunidade, ao condicionar a abertura de processos contra congressistas ao aval do próprio legislativo. Em outras palavras, serão as próprias raposas que decidirão se suas companheiras podem ou não ser punidas pelo assalto ao galinheiro — e, pior, de forma secreta, sem nem ao menos expor a cara das raposas. Na prática, enterra-se de vez a ilusão do princípio liberal de igualdade jurídica: a noção segundo a qual todos seriam iguais perante a lei.
A aprovação da “PEC da Blindagem” na Câmara repercutiu de maneira amplamente negativa nas redes sociais. Alguns deputados tentaram se justificar publicamente, chegando até a pedir desculpas. Camiseta branca, olhar abatido e o famoso discurso: “quem me conhece, sabe”. O problema é justamente esse: sabemos.
Diante desse cenário político e da possibilidade de articulação entre Centrão e bolsonaristas (seriam coisas diferentes?) para aprovar uma anistia ou redução de penas aos golpistas, manifestações populares de rua foram convocadas com urgência para este domingo. O que se viu foi uma resposta à altura aos atos bolsonaristas do dia 7 de setembro. Indicadores do volume de participantes não faltaram: a avenida Paulista, em São Paulo, e a orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, ficaram tomadas por manifestantes.
As manifestações do domingo demonstraram a importância e a necessidade da pressão popular sobre os poderes constituídos e da disputa pelo espaço das ruas contra as forças da direita e da extrema-direita. Em Patos de Minas, no entanto, a vitória nas eleições presidenciais contra Bolsonaro ainda parece marcar o refluxo dos movimentos sociais e coletivos de esquerda. Não houve manifestações, a não ser alguns gritos tímidos no Festival Marreco, ocorrido na noite de sábado. Por aqui, é notória a ausência de organizações de esquerda com capacidade de mobilização — e, em contrapartida, é explícita a apatia da população (e da dita esquerda local) quando se tenta convocar algo. Mas será que não teria razão o canto entoado neste domingo, que diz que “é preciso estar atento e forte”? Seria a força dos atos deste 21 de setembro um convite a reavaliarmos nossa inércia a fim de romper o marasmo?
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Nota: organização criminosa; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; dano qualificado; deterioração de Patrimônio.