Uso de fake news é válido contra políticos como Nikolas Ferreira?

Repercussão de sessão no Congresso Nacional colocou em xeque a atuação do deputado Nikolas Ferreira e as táticas de alguns segmentos da esquerda nas redes sociais

Acredito que essa não seja uma pergunta retórica. E para ela não tenho resposta conclusiva, nem tenho pretensão de ter. Porém te convido a pensar sobre a questão.

Uma sessão do Congresso Nacional ocorrida na semana passada gerou repercussões acaloradas. Os parlamentares puseram em votação vetos do presidente Lula a alguns projetos de lei que haviam sido reformulados pelo poder legislativo federal. Dois deles chamaram a atenção porque, além de esdrúxulos e demonstrarem uma queda de braço entre o Congresso e a presidência, colocaram em xeque a atuação do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

A polêmica se armou nas redes: Nikolas teria votado a favor do aumento na conta de energia da população. O argumento se espalhou rápido — vídeos, cards, perfis de militância digital e influenciadores progressistas começaram a usar o episódio como prova de que o deputado, defensor do “povo de bem”, age contra os interesses desse mesmo povo. O problema? Segundo apuração de portais como o DCM (Diário do Centro do Mundo), essa acusação específica não se sustenta. Teria sido, ao que tudo indica, uma fake news replicada por alguns perfis de esquerda e pelo suspeitíssimo deputado André Janones (Avante-MG), que votou (pasmem!) a favor do projeto.

Curiosamente, no caso do projeto que impactaria na conta de luz — vetado por Lula por prever repasses bilionários às distribuidoras de energia, com custo estimado de R$ 26 bilhões — Nikolas votou a favor da manutenção do veto presidencial. Ou seja, tecnicamente, votou contra o projeto. Pode parecer contraditório, mas há uma lógica: o parlamentar bolsonarista depende do engajamento nas redes sociais e talvez tenha percebido que o projeto seria impopular entre sua base. Ser cobrado pelo eleitorado não é novidade para ele, como quando foi criticado por votar contra o fim da jornada 6×1 para trabalhadores do comércio.

Já no projeto que trata da indenização para vítimas de microcefalia causada pelo Zika vírus — também vetado por Lula, sob o argumento de que o texto era impreciso e financeiramente insustentável — Nikolas votou contra o veto. Ou seja, a favor da indenização de R$ 50 mil e de pensão vitalícia polpuda. Difícil acreditar que, subitamente, o deputado tenha se convertido à causa das mães pobres nordestinas. Mais plausível é que tenha vislumbrado ali uma oportunidade de desgaste ao governo: se Lula mantivesse o veto, pareceria insensível; se o Congresso derrubasse, obrigaria o Executivo a arcar com mais uma despesa elevada.

E aqui voltamos à pergunta inicial.

Nikolas Ferreira é um parlamentar que utiliza sistematicamente a mentira como arma política. Já manipulou imagens, distorceu estatísticas, atacou pessoas com base em falsidades e tem como trunfo justamente o caos informacional. Mas… quando o campo progressista se utiliza das mesmas táticas — ainda que pontualmente, ainda que como resposta — o que está em jogo?

Deixar de lado o compromisso com a verdade é uma escolha perigosa. Pode parecer sedutora diante da eficácia da mentira na disputa por narrativas. Afinal, um card viral vale mais que mil teses bem fundamentadas. Mas, ao mesmo tempo, não estamos jogando no campo da extrema-direita quando deixamos que a verdade se torne maleável?

Talvez com a ingenuidade dos que ainda resistem à maré da época de pós-verdade, defendo que a verdade está do nosso lado. E quando não estiver, é porque a luta já perdeu o seu sentido. Michel Foucault, em seus últimos cursos no Collège de France, resgata a noção antiga da parrhesia — a coragem da verdade. Essa coragem não é apenas dizer o que se pensa, mas se comprometer com a verdade mesmo quando ela é incômoda, mesmo quando ela ameaça nossa posição ou expõe nossos próprios erros. Dizer a verdade, nesse sentido, é um ato ético, político e de risco. E é esse risco que não podemos evitar enfrentar, mesmo quando estamos em desvantagem.

A tentação de espalhar algo que parece útil politicamente — mesmo que falso — nasce do jogo afetivo das redes sociais, que mobiliza indignações já prontas e reforça o que parece verdadeiro porque encaixa com o que queremos acreditar. Mas é justamente assim que operam as fake news: elas capturam nossos afetos, contornam o pensamento crítico e se disseminam em ritmo industrial. Por isso, é necessário um esforço consciente: checar, duvidar, pausar antes de compartilhar. Não por moralismo, mas porque o projeto político de emancipação exige compromisso com algo maior do que a próxima curtida. Exige a coragem de sustentar a verdade — especialmente quando ela não nos favorece no imediato.

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