Para bem dizer a verdade, há quem se surpreenda. É o caso de alguns eleitores do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). Eles estão, nesse momento, lotando a caixa de comentários do perfil do deputado no Instagram, dizendo-se arrependidos de terem votado nele e/ou cobrando que ele assine a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que o projeto, pelo menos, vá à discussão e votação na Câmara dos Deputados. Por sua vez, o deputado, um dos mais reacionários da atual legislatura, publicou um “texto genérico” se posicionando contra o fim da escala 6×1, alegando, como de costume, prejudicar a economia (sempre ela acima de tudo). Recaíram sobre seu texto, inclusive, acusações de ter sido produzido por Inteligência Artificial. Não seria espantoso.
A posição de Nikolas Ferreira segue exemplo de outros colegas bolsonaristas do Partido Liberal ou puxadinhos do PL. Na última quarta-feira (06/11), figuras como Magda Mofatto (PRD-GO) — latifundiária do ramo hoteleiro em Caldas Novas — e Bibo Nunes (PL-RS) — ex-jornalista que, em 2022, defendeu queimarem vivos universitários que protestavam contra corte de verbas — se reuniram em torno de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para rejeitar em bloco a assinatura da PEC pelo fim da escala 6×1. A trajetória política desses sujeitos fala por si própria. Invariavelmente, posicionam-se e votam contra os interesses dos trabalhadores.
Explicando…
A escala 6×1 é a dinâmica laboral em que há seis dias de trabalho e um dia de descanso na semana. Obviamente, são muitas horas de trabalho em comparação a outras atividades da vida, como descanso, lazer, tempo com a família etc. A escala 6×1 foi regulamentada pela CLT, em 1943, assim como a delimitação de 44h semanais como a jornada máxima. Sendo que o tempo de trabalho feito além disso é considerado hora-extra. No entanto, a reforma trabalhista do Governo Temer, em 2017, precarizou ainda mais as condições de trabalho ao flexibilizar a jornada semanal e promulgar que os “acordos individuais entre empregado e empregador” podem valer acima da legislação vigente.
O movimento pelo fim da escala 6×1, que, no momento, toma as redes sociais, começou a partir de um desabafo de um trabalhador, feito em setembro do ano passado (2023). Morador do Rio de Janeiro, Ricardo Azevedo utilizou o TikTok para criticar a escala 6×1 depois que seu patrão ordenou, por WhatsApp, que ele começasse sua jornada de trabalho mais cedo no dia seguinte. O desabafo viralizou e Ricardo abriu uma petição pública chamada Vida Além do Trabalho (VAT), que, atualmente, conta com mais de 1 milhão e 300 mil assinaturas.
Em maio deste ano (2024), a causa ganhou apoio da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela redução da jornada de trabalho. A proposta precisa da assinatura de 171 parlamentares para tramitar. Mas, até o momento (10/11), somente 71 assinaram.
Em meio ao aumento de casos de problemas de saúde mental em razão do trabalho exaustivo, tem havido pressão sobre os deputados para que assinem a PEC. Mesmo parlamentares da direita e extrema-direita têm recebido cobranças de seus eleitores e apoiadores. Tais cobranças muitas vezes apontam a mais pura hipocrisia daqueles que defendem uma jornada de 6×1 para os trabalhadores. O salário mínimo dos trabalhadores, para essa escala, é de 1412,00 por mês. Por outro lado, os parlamentares trabalham (isso quando comparecem!) geralmente em uma escala de 3×4 no parlamento, recebendo mais de 44 mil reais por mês, fora os penduricalhos. Enquanto isso, a grande imprensa já corre para passar pano para a escala de trabalho dos parlamentares: “vejam bem, não é bem assim”. Sabemos.
Refletindo…
Antes que digam que a produtividade cairia caso a carga horária fosse reduzida, há pesquisas mostrando o contrário. Países e empresas que adotaram uma escala 5×2 ou até mesmo 4×3 tiveram aumento da produtividade (porque quantidade não é igual qualidade) e o Estado gastou menos dinheiro com doenças ou com consequências associadas ao trabalho exaustivo, como alcoolismo e tabagismo.
No Brasil, entretanto, não é somente uma questão de racionalidade técnica do capitalismo. O trabalho, por estas bandas, também está ligado à reprodução de hierarquias e ao passado escravocrata. Parece-me que há gosto na elite e em seus representantes “no fazer sofrer”. Por isso, não são totalmente surpreendentes declarações como a que foi feita, em 2018, por Hamilton Mourão, atualmente senador (Republicanos-RS). Na ocasião, diante de um público de empresários do Rio Grande do Sul, o ex-vice-presidente de Bolsonaro sentiu-se à vontade para criticar e debochar das férias e do décimo terceiro salário pago aos trabalhadores.
Dá para perceber que o que resta ao povo é avançar nas cobranças. Se a luta por algum direito trabalhista passa por perturbar deputados em suas redes sociais, que a façamos.