Não começou em Auschwitz, não vai acabar em Gaza

Desde que a guerra movida pelo Estado de Israel contra o povo palestino atingiu a sua última fase, temos assistido diariamente a uma série de atrocidades na Faixa de Gaza: deslocamentos forçados, racionamento de alimentos, corte de água e luz e ataques deliberados a alvos civis com claro objetivo de exterminá-los.

Diante deste cenário de verdadeiro horror, movimentos sociais populares ao redor de distintas partes do globo tem chamado a atenção da opinião pública internacional para o fato de que o que Israel tem praticado desde 08 de outubro tem nome: genocídio.

A acusação toca em uma questão sensível para o povo judeu. Afinal de contas, a justificativa para a criação do Estado de Israel se deu justamente para criar um lar para esse povo que foi o alvo principal das políticas de extermínio tocadas pelo nazismo. Décadas depois, acusa-se  o Estado de Israel de assumir um modo de operação que deixa muito pouco a desejar em face daquilo que Adolf Hitler realizou em seu projeto genocidário: invasão territorial, segregação racial e eliminação (física e simbólica) do povo palestino.

Membros da comunidade israelense, em especial aqueles alinhados com o sionismo, relutam em aceitar essa equiparação. Argumentam que o genocídio judeu, comumente conhecido como holocausto, consistiria em uma experiência única, dada a natureza e a extensão da barbárie que encerra. Mas será isso uma verdade histórica incontestável? Quais foram as condições que permitiram o genocídio judeu? Essas condições teriam sido compartilhadas com outros grupos étnico-raciais? 

Autorias de diferentes campos do saber e da sensibilidade humanas identificaram que a lógica genocida seria um traço constitutivo do sistema capitalista moderno. Desde Hannah Arendt até Aimé Césaire, passando por Rosa Luxemburgo e Frantz Fanon, sublinhou-se a necessidade de o capitalismo explorar, dominar e, no limite, eliminar povos de territórios sob seu controle em diferentes momentos e lugares da sua expansão colonial.

Sob a marca da racialização, criou-se a justificativa, primeiro religiosa e depois científica, de que os povos que habitavam os continentes americano, africano e asiático eram inferiores. Em virtude disso, os povos europeus, supostamente superiores, poderiam dispor de suas vidas e territórios como bem entendessem.

Nesse sentido, vale lembrar que houve outros genocídios anteriores ao judeu: o assassinato em massa dos povos ameríndios a partir do século XV por parte de diferentes países da Europa; o do povo do Congo pela Bélgica entre os séculos XIX e XX; e o dos povos herero e nama pela Alemanha, onde hoje é a Namíbia, em princípios do século XX.

O que houve com os judeus e com outros povos racializados na Europa no século XX tem um elo histórico com o que houve com todos os povos (indígenas, negros, amarelos…) na América, África e Ásia desde o século XV. É como se esse elo fosse um bumerangue: ele foi jogado pelas burguesias europeias quando se lançaram na empresa colonial em outros territórios, mas, depois disso, retornou ao seu próprio território. Em ambos os contextos, notamos a mesma dinâmica: transformação de povos em raças divididas hierarquicamente entre superiores e inferiores e consequentemente a presunção do direito que a raça superior dispõe sobre a vida (e a morte) da raça inferior.

Por mais que muitos judeus relutem em aceitar, o que aconteceu em Auschwitz, campo de concentração que simboliza toda a selvageria nazista, é atravessado pela mesma lógica do que acontece em Gaza, também um campo de concentração símbolo da selvageria, só que desta vez sionista.

Não começou em Auschwitz, não vai acabar em Gaza, pois, enquanto a lógica genocida inaugurada pelo capitalismo moderno que une e fundamenta os massacres coloniais continuar existindo, continuaremos a assistir a repetição desses tristes episódios na história humana.

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