Entrevistas: O carnaval de Patos existiu e já foi do povão

Conheça a história do Clubinho Carnavalesco do Povo

“…queremos todo mundo no carnaval, seja rico, seja pobre, do bairro ou do centro.”

“O Trio Elétrico sobe o morro, desce o morro, vai ao povo, trás o novo na alegria de brincar”

Trechos da revista A Debulha – 15 de fevereiro de 1981.

Contar essa história talvez seja a maior saudade dos foliões que estiveram na pipoca do primeiro trio elétrico patense, dos músicos que entoaram as cantigas tradicionais do samba e também das pessoas que organizaram o primeiro carnaval do povo para o povo. O Clubinho Carnavalesco do Povo (CCP) foi a primeira, e talvez a única, organização cultural pela revitalização dos carnavais de rua em Patos de Minas, que até então estavam extintos pelo elitismo e conservadorismo das políticas culturais que antecederam a sua criação.

Como na maioria das cidades do país, Patos de Minas celebrava os carnavais de rua até meados da década de 19501, com direito ao tradicional lança-perfume, que, segundo os saudosistas, não tinha a intenção de alterar o estado de consciência e era apenas uma brincadeira. A comemoração, dadas as proporções populacionais, era pequena, mas era o suficiente para contribuir para o desgosto dos higienistas sob a desculpa de “fazer bagunça”.

Desde 1907, como evidenciado no texto publicado no jornal local “O Trabalho” sobre o carnaval2, havia a súplica para a retirada dos carnavais de rua e adoção de um “club”. Logicamente, isso ocorria para que se pudesse restringir o acesso dos baderneiros de carnaval, outrora chamados de entrudos.

No período que se estende após o intervalo entre as décadas de 1930 e 1970, as principais festas de carnaval patenses eram diametralmente parecidas com as que são organizadas hoje na região. Os chamados carnavais de clube, ou de salão, tomaram, quase em sua totalidade, as atrações disponíveis para quem quisesse, e pudesse financeiramente, ter a oportunidade de desfrutar das festividades momescas. Os eventos eram realizados nos clássicos Social, Recreativa e também no clube elitizado Caiçaras. Como é de se imaginar, a classe trabalhadora, menos abastada, não tinha acesso ao requinte festivo oferecido pelos clubes da alta sociedade.

Embalados em ritmo de alegria, num despretensioso momento da festa do milho de 1973, um grupo chamado “Miseráveis do Samba”, que contava com parte dos integrantes do futuro CCP, surge instantaneamente para participar dos tradicionais desfiles de aniversário da cidade. É nesse momento em que aqueles jovens começaram a se organizar pelo ritmo da batucada do samba e pela vontade de revolucionar a cultura patense. Foram eles os responsáveis pela criação do que viria a ser a primeira escola de samba, a “Acadêmicos do Samba”, que logo no início de sua criação conseguiu agremiar aproximadamente 100 pessoas para formar as primeiras alas dos desfiles do carnaval de 1974.

Ao longo da década de 1980 surgiram outras escolas, que disputavam as competições locais. Elas eram avaliadas pela ornamentação, enredo e desenvoltura dos desfiles de carnaval. A Muda Brasil, que levava este nome principalmente pelo período de transição política que o Brasil passava na época, e a Unidos da Alvorada apareceram nos noticiários locais, juntas à Acadêmicos, como escolas em disputa pelos títulos3.

Obcecados pela efervescência do carnaval baiano, aos moldes dos clássicos carnavalescos Dodô e Osmar, juntaram-se pessoas do movimento político e que estavam ligadas à cultura de Patos de Minas para a construção do que consideravam ser o modelo ideal de uma festa do povo. Então, em 1978 o Clubinho Carnavalesco do Povo foi criado, começando com o recrutamento dos membros e planejamento de ações. A proposta inicial envolvia que se fizesse uma festividade democrática, que fosse possível levar alegria às pessoas e que se ocupasse as vias principais da cidade – um surpreendente projeto “megalomaníaco”.

Para uma pacata cidade do interior de Minas Gerais, que tinha uma tradição muito frágil e tímida  sobre o carnaval, o Clubinho construiu, muniu com equipamentos potentes de som e coloriu as ruas da cidade com o que viria a ser o primeiro trio elétrico de Patos de Minas, senão de Minas Gerais, conforme os próprios membros reivindicavam. Viajaram até Salvador, na Bahia, para conhecer de perto como funcionava um trio elétrico, fizeram vaquinhas e elaboraram eventos culturais para arrecadação do dinheiro para comprar equipamentos e construir a armação em um caminhão de lixo doado pela prefeitura. Após realizar um nostálgico carnaval em 1980, no dia 23 de agosto daquele ano, fundou-se formalmente o CCP como uma organização cultural4.

Publicado originalmente no jornal “A Debulha” ed. nº 35 de 31 de outrubro de 1981, seção Sem Fronteiras, página 36.

Assim, o Clubinho foi capaz de atrair multidões para as festividades dos anos de 1980. Estima-se que entre cinco e dez mil pessoas iam às ruas no carnaval, enquanto o trio elétrico passava entoando marchinhas, sambas e músicas populares5. A festança durava a noite toda, há registros de que as festas se estendiam até às sete da manhã. O comércio local lucrava bastante com a venda de bebidas e lanches para os foliões.

Multidões iam às ruas para pular carnaval ao som de marchinhas, frevos e sambas do trio elétrico. Registro do carnaval de 1980.

Os projetos do Clubinho eram ambiciosos. Em entrevistas passadas6, o grupo entendia que o movimento ia além das atividades culturais, buscavam a democracia plena em todos âmbitos, e cantavam hinos pela diversidade e inclusão. Mais que isso, ficava evidente, em reportagens da década de 19807, que havia uma urgência política daqueles jovens em extravasar a sua própria liberdade e que eles ansiavam pelo fim do período de ditadura militar e pelo direito ao voto direto (Diretas Já). Lutaram também pela cultura, pela ampliação e educação dela na sociedade patense, e pela concretização do Coreto Municipal, ambiente este em que se prometia a liberdade artística. Esse é o local onde hoje se realizam, recorrentemente, eventos como Slam Phatos e a Batalha de Rimas (Batalha Duk’s City). O Coreto foi inaugurado em 19858.

Aos poucos, o carnaval, que outrora despertava a alegria geral da população patense, foi esmaecendo até cair no ostracismo. O Clubinho, talvez pelo seu endividamento, que ficou evidente ano após ano, como se constata nos jornais da cidade9, ou pelas divergências com a rigidez da administração pública local, acabou na metade da década de 1990. O trio elétrico fez suas últimas aparições até o carnaval de 2000. Os carnavais de rua, com palco montado, tiveram seu fim em 2004. Por último, até os carnavais de glamour que eram realizados nos tradicionais clubes da cidade também foram sumindo, restando apenas as eventuais e restritas festas de abadá, que são caríssimas!

Entrevistas

Para fins de registro histórico e para que o leitor possa conceber a dimensão do que foi a história dessa organização cultural, a equipe do Patos à Esquerda foi atrás de dois antigos membros da diretoria do Clubinho Carnavalesco do Povo: Márcio Luiz Maciel e Marcos Antônio Caixeta Rassi (ordem alfabética). Confira, no vídeo a seguir, as entrevistas:

Registros de imagem

Notas

1 DANNEMAN, Eitel T., Memória Carnavalesca, 2013. Disponível em: <https://efecadepatos.com.br/?p=6074>

2 Texto com o título “Carnaval” publicado oiginalmente no jornal “O Trabalho” em 17 de fevereiro de 1907. Disponível no acervo de efecadepatos pelo link: <https://efecadepatos.com.br/?p=29900>

3 DANNEMAN, Eitel T., Carnaval de 1988 – Do tempo do clubinho, dos blocos e das escolas de samba, 2014. Disponível em: <https://efecadepatos.com.br/?p=7349>

4 Carnaval de Rua. Jornal “A Debulha”, Patos de Minas, Ed. nº 08 de 31 de agosto de 1980. Seçã Cultura, página 33.

5 Clubinho – “De grão em grão…”. Jornal “A Debulha”, Patos de Minas, Ed. nº 42 de 28 de fevereiro de 1982. Seção Sem Fronteiras, página 30.

6 DANNEMAN, Eitel T., Clubinho Carnavalesco do Povo, 2013. Disponível em: <https://efecadepatos.com.br/?p=5140>

7 Clubinho Carnavalesco do Povo. Jornal “A Debulha”, Patos de Minas, Ed. nº 18 de fevereiro de 1981. Seção Sem Fronteiras, página 36.

8 Rocha, Antônio L. Prefeito inaugura coreto e recebe acervo de arte. Jornal “A Debulha”, Patos de Minas, Ed. nº 130 de 31 de dezembro de 1985. Disponível no acervo de efecadepatos pelo link: <https://efecadepatos.com.br/?p=14511>

9 PACHECO, Dirce D., PACHECO, João Vicente D. Desabafo da casa de cultura e do clubinho. Jornal “A Debulha”, Patos de Minas, Ed. nº 109 de 15 de fevereiro de 1985. Disponível no acervo de efecadepatos pelo link: <https://efecadepatos.com.br/?p=13192>

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